Em 26/04/2010, falei sobre ‘Favelas, Paternalismo, Sociedade’. Estamos nos aproximando das eleições presidenciais no Brasil e este tema, de um modo ou de outro, acaba voltando. E nada mais oportuno do que assuntos “tabu”, como os problemas estruturais de toda sorte que vivenciamos em todas as grandes cidades do país, em época de eleições.
Nas últimas décadas, o ritmo de crescimento das cidades está sendo muito superior ao das possibilidades de previsão das autoridades. O poder público não tem a capacidade de assimilar os problemas das megalópoles que vêm se formando, tampouco dispõe dos recursos para proceder às reformas de grande vulto que se fazem necessárias para criar novas estruturas que sejam eficazes. Uma parte da população que chega às grandes cidades é forçada a se distribuir nos locais mais miseráveis e abandonados, invadindo propriedades alheias ou zonas com condições urbanas inadequadas. O poder público, tanto estadual quanto municipal, é lento na tomada de decisões e, com isso, “dão tempo” para que a realidade nua e crua surja de locais incongruentes e “repentinamente”.
Essa é a gestão urbana em curso no Complexo do Alemão, o teleférico |
Existe uma coisa chamada gestão urbana que é o nome dado à operacionalização de uma cidade. A gestão urbana é, portanto, a ação responsável pela elaboração de políticas públicas e pela sua concretização. E o interessante é que no Brasil criou-se o Ministério das Cidades, que trataria desses assuntos.
Talvez a minha opinião divirja da de vocês, leitores, mas vou comentar alguns assuntos tabu pelo menos no Rio de Janeiro.
Não há dúvidas que, em qualquer lugar do mundo, o local onde está a Favela da Rocinha, hoje serviria para loteamentos legais de casas de luxo que pagariam muito mais IPTU do que em qualquer outra área do Rio de Janeiro. E quando o poder público aumenta sua base de arrecadação, sem aumentar o percentual dos impostos, estamos falando do melhor dos mundos, pois, obviamente, este mesmo IPTU seria utilizado para criar condições estruturais para ocupação e urbanização de outras áreas da cidade para que todos, ricos e pobres, pudessem viver com dignidade. Talvez ainda hoje se possa resolver o problema, apesar de sua extrema complexidade.
Favela da Rocinha em 1931. Ainda dava tempo. |
Favela da Rocinha hoje. Não sei se há solução. |
O primeiro ponto para isso seria o governo passar a planejar a longo prazo e em ritmo mais condizente com a realidade das cidades, pois não apenas no Rio de Janeiro temos esses problemas. Não me julguem inocente, pois eu sei que isso não será feito. Estou falando no campo das idéias, na teoria. Lembremo-nos de que a teoria PODE e DEVE ser passada à prática, mas... Os interesses, sempre eles, se colocam entre o poder público e o bem comum nas sociedades.
Voltando à teoria, no Rio de Janeiro, precisamos de uma transformação radical, uma revolução mesmo, nos transportes de massa. E aqui fica claro que não adianta fazer linhas de ônibus, mas transportes intermodais, com ênfase total ao transporte ferroviário. De nada adiantará mega empreendimentos, se não houver infra-estrutura que os suportem. Senão, estarão todos fadados ao fracasso a exemplo do que aconteceu com a Cidade de Deus.
Já que estamos falando de transportes, vamos continuar a falar sério. Faço uma pergunta, qual foi o(a) candidato(a) que tocou no assunto “especulação imobiliária nas favelas”? Como planejar qualquer coisa se as favelas estão repletas de locações e sublocações de algo que simplesmente “NÃO EXISTE”? Eu já falei sobre isso anteriormente e, se uma favela nada mais é do que uma ocupação ilegal, e isso é fato, especulação imobiliária em favelas deveria ser tratada com a devida seriedade pelo poder público, como um problema social da magnitude que ele é.
Reparem que uma coisa leva à outra, a especulação fomenta as favelas. Mas como fiscalizar essa especulação? Que órgão a faria? Os fiscais ganhariam quanto para esse trabalho? Um salário mínimo? Desse modo, estaríamos inflacionando a especulação, pois o morador (a ponta final da cadeia) teria de pagar também os subornos, as propinas para “fechar os olhos” dos fiscais. Não adianta decretar-se que é proibida a locação ou sublocação em favelas com o poder da caneta, pois não há como fiscalizar um decreto desse tipo.
E a Favela do Morro do Bumba em Niterói? O que dizer da quantidade de pessoas que morreram com as águas de março? A Favela do Morro do Bumba foi construída sobre um lixão desativado e em forma de morro. Por que, em vez de ser removida, essa “comunidade” ganhou via de acesso, que incrementou seu crescimento e as famigeradas obras de maquiagem, como por exemplo, iluminação pública, algum calçamento etc? A irresponsabilidade em forma de ganância pelo voto fácil está cada vez mais se sofisticando. Os projetos de teleféricos feitos com o dinheiro do PAC estão aí e não me deixam mentir. O pior é saber que isso seduz inclusive pessoas ditas esclarecidas. Talvez esclarecidas, mas jamais comprometidas com a justiça e o bem comum, pois todos falam muito, fazem passeatas (desde que sejam na orla da zona sul carioca), mas nada fazem que tenha efeito real, concreto, positivo. Nada.
O Parque da Catacumba hoje, na Lagoa Rodrigo de Freitas |
Li em um blog há uns meses, uma “tabela” de aluguéis em favelas da zona sul do Rio que mencionava, “preços pós UPPs”. Dizia também que “os aluguéis incluem GATOS luminoso e aquático” (sic). O que me deixa boquiaberta é o fato de estarmos presenciando uma Classe C emergente que não se importa em viver em condições habitacionais sub-humanas, sem endereço, sem esgoto etc, mas que faz tudo pela localização de sua moradia. Imaginem oferecer a algum desses moradores de favelas da zona sul, por exemplo, morar em uma casa legalizada em um subúrbio da Leopoldina. Obviamente, não aceitariam tal proposta. Como assim? Sair da zona sul para morar em um subúrbio, em uma casa pequena, de sala e dois quartos, e tendo de pagar IPTU, conta de luz, conta de água e afins? Alguém enlouqueceu no meio dessa história toda, não?!
Tudo o que escrevi aqui, venho repetindo durante, pelo menos, dez anos. Mas quando eu abro a boca para falar sobre estes assuntos, tais como "favela é uma ilegalidade", as pessoas só faltam me linchar, pois a sociedade acha que os menos favorecidos (odeio quem inventou o politicamente correto... só podia ser um estadunidense) são todos uns coitadinhos.
Além da especulação dentro das favelas, é fato também que lá há comércio de toda sorte, inclusive com máquinas para cartões de débito/crédito. É aqui que se vê que a CORRUPÇÃO está também na base que sustenta todo esse sistema. A favela não é uma ilegalidade? Claro que é. Então por que os caminhões de empresas como a AmBev, a Sadia e outras tantas entram nas favelas para fazer entregas em mercadinhos e botecos, que obviamente são ilegais? Ilegais até que ponto? Eu me pergunto se a Sadia circula com mercadorias para entrega sem nota fiscal... Será? Ou será que a prefeitura já está permitindo cadastrar na junta comercial CNPJs de empresas localizadas em lugares que não têm endereço formal? Eu tenho tantas perguntas sem resposta sobre esse mundo paralelo que co-habita nossa cidade...
No Complexo do Alemão, a Tim já oferece modelos de celulares para todos os gostos, do 3G aos pré-pagos, depois de fazer uma parceria com um morador que tinha uma pequena loja de varejo |
Continuando, as favelas são um mundo à parte do nosso mundo de classe média que paga imposto. Lá há comércio, telefones, internet banda larga, TV a cabo, o grande crediário das Casas Bahia (que já entregaram centenas de TVs LCD, geladeiras dúplex inox, microondas e outras coisas afins em lares de inúmeras “comunidades” Rio de Janeiro afora). Lá, nas favelas, o morador não paga IPTU, luz, água, taxa de Incêndio, nada. Lá, nas favelas, existe também uma coisa preciosa nos dias atuais, as benesses do governo paternalista (e demagogo, sim, porque todo paternalismo é demagogia) em forma de "cestas-tudo".
Eu conheço pessoas que prestam serviços em minha casa, como eletricistas, empregada doméstica, bombeiros hidráulicos e outros, que repetem o mesmo discurso: "E por que eu vou sair da “MINHA” casa que comprei com tanto sacrifício? Lá eu não pago nada, a cesta básica é uma mão na roda, minha mulher já nem precisa mais trabalhar."
É neste momento que penso no DARF que está na minha gavetinha, grampeado ao comprovante de pagamento do IR. Mas eu NÃO sou coitadinha, ao contrário, eu sou o "lobo-mau" da história, parte da elite que teve todas as oportunidades que os “verdadeiros” coitadinhos não tiveram. Por isso, estamos todos condenados a arder no fogo eterno da Receita Federal. Essa é a lógica da "JUSTIÇA" carioca e brasileira. Às vezes, dá vontade de jogar a toalha.
Vou ser obrigada a deixar aqui uma citação do século XVI, que nunca esteve tão atual. "Nada é mais difícil de executar, mais duvidoso de ter êxito ou mais perigoso de manejar do que dar início a uma nova ordem de coisas. O reformador tem inimigos em todos os que lucram com a velha ordem e apenas defensores tépidos nos que lucrariam com a nova ordem." Nicolau Maquiavel
ELIANE,
ResponderExcluirprimeiro gostaria de agradecer-lhe pela generosidade, carinho e atenção que dispensou ao nosso blog:" HUMOR EM TEXTO".
Seu comentário, foi absolutamente motivador para que eu possa cada vez mais, querer fazer o melhor.
E agora Eliane, este seu texto sobre favelas: absolutamente, correto, coerente , lúcido e tecnicamente, muito bem fundamentado.
As fotos de antes e depois são incríveis!
Deixe que eu lhe diga, que trabalhei para a UNESCO,em parceria com as empresas privadas em um programa sobre "Desenvolvimento de comunidades urbanas".
A empresa era a ACTION INTERNACIONAL,com sede também em Maracaibo,na Venezuela.
Aqui no Brasil, chamasse ( ainda existe) AÇÃO COMUNITÁRIA DO BRASIL,
Vou lhe dar um depoimento, constrangedor mais que vem ratificar todo o seu pensamento emitido no texto.
Quando nós nos propunhamos, àquela época a patrocinarmos as urbanizações de favelas , na época em torno de 400 - atualmente, esse número dobrou- quem mais dificultava e mesmo, criava todos os obstáculos para que isso não se realizasse, era a Fundação Leão XIII, órgão público e responsável, pela gestão naquele tempo, pelas favelas no Rio de Janeiro.
Era impossivel contarmos com o apoio daquela fundação, pois precisávamos para urbanizar as favelas de obter da Fundação Leão XIII um documento de posse do terreno ou que ela nos indicasse quem era o verdadeiro dono daquela área.
Jamais conseguíamos!
Uma vez, em Pilares na Favela Fernão Cardin, quando inauguramos uma sede social e um posto médico à pedido dos moradores, na hora de cortar a fita simbólica, um vereador intrometeu-se na frente de todo mundo,e o fêz, sendo fotografado por dois jornais populares da época.
Depois soubemos que tinha sido um morador da favela, seu cabo eleitoral que, o havia avisado da solenidade.
Veja que balaio de gatos!
Com este relato Eliane, pretendí dar eco e ressonância e ratificar integralmente, cada palavra que você escreveu neste seu belíssimo texto.
Impecável!
Vou acontamhar assiduamente seu blog.
Um abração carioca.
DESCULPE O ERRO DE DIGITAÇÃO. NO FINAL, LEIA-SE:
ResponderExcluir"Vou acompanhar..."
Esse "acontambar" foi terrível! (rs).
Oi, Paulo. Obrigada por ter deixado um relato tão verdadeiro. Isso existe e não é de hoje e nem de ontem. Lembrei-me do relato de uma amiga da minha mãe, acontecido nos anos 60. Farei um post sobre isso qualquer dia.
ResponderExcluirEu me lembro, Paulo, que a Fundação Leão XIII ficava na esquina da Rua Camerino com Senador Pompeu. Trabalhei ali perto durante quase 20 anos e passava todos os dias na porta, mas nunca vi nenhum movimento no prédio, apenas um vigilante sentado numa cadeira na calçada. Nunca entendi. Hoje não sei se a fundação ainda fica lá. E outra coisa é que a idéia que eu tinha era de que a Leão XIII só servia como abrigo para mendigos e moradores de rua e também os recolhia nas praças etc.
Você disse tudo, esse assunto é um balaio de gatos. Se você puxar a ponta do barbante, você vai desenrolar coisas que talvez nem imaginamos que existam.
Ahh... Quanto ao nº de favelas no Rio... 800? É um sonho. Não tenho o número exato, mas esta foi uma ótima idéia para o próximo post. :)
Forte abraço
ELIANE,
ResponderExcluirSegundo dados do Instituto Pereira Passos o crescimento horizontal nas favelas o Rio de Janeiro, entre 1999 e 2008 foi de 7% o que significa que antes tinhamos 750 favelas e naquele mesmo periodo passamos de 750 para 968 favelas.
O recorde absoluto de crescimento tem sido da Rocinha!
Li com atenção o artigo e tenho que concordar com tudo.
ResponderExcluirAqui em São Paulo a indústria da pobreza daqui a pouco vai ter CNPJ e se chamar Miséria S/A dado o grau em que as coisas se encontram. Por exemplo, aqui na Zona Leste, no Jardim Romano (Área de várzea invadida)as chuvas castigaram feio o ano passado e a prefeitura começou a dar apartamentos para as 'vitimas' (Que antes, evidentemente se divertiram incendiando ônibus, pneus e vandalizando) e já tivemos noticias de espertalhões que venderam o primeiro apartamento, voltaram para o bairro, fizeram outro barraco e pegaram outro apartamento.
Ser pobre é uma coisa, ser pilantra é outra totalmente diferente.
Desculpe pela expressão, mas citando um finado jornalista da TV que disse no ar "Este país é uma merda, este país é uma MER-DA!".
Um amigo meu certa vez disse - A melhor coisa neste pais não é ser funcionário público e sim miserável. Você ganha tudo do governo sem precisar fazer nada, a não ser a cada quatro anos digitar os números certos nas urnas.
Olá, Boingo. Adorei ler seu comentário. Não porque você tenha concordado com o post, mas porque você leu algo que escrevi e me deixou sua impressão sobre isso. Agradeço sua visita e convido-o para dar uma lidinha no post que citei no início, 26/04/2010, quando falei sobre ‘Favelas, Paternalismo, Sociedade’.
ResponderExcluirNo fundo mesmo, é exatamente isso que seu amigo resumiu tão bem. E nós ainda PAGAMOS pra eles continuarem a ser "as galinhas dos VOTOS de ouro" dessa gentalha que a sociedade brasileira colocou lá. Paternalismo, assistencialismo, socialismo e todos os "ismos" hobbinwoodianos, de tirar dos mais ricos para dar aos mais pobres, é um grande engodo. Os brasileiros, incluindo aí essa elite de "intelectualóides" de esquerda aqui do Rio (mas que moram todos em Ipanema e Leblon), não tem discernimento e, menos ainda, imparcialidade, para refletir e tentar descobrir o verdadeiro significado da palavra JUSTIÇA. Não me refiro ao clichê "justiça social", pois já tem gente demais ganhando dinheiro em cima só deste único clichê, imagine dos outros. Refiro-me à JUSTIÇA verdadeira, aquela que deveria ser cega.
O ser humano ainda está muito longe de alcançar os valores morais de que precisamos como uma verdadeira sociedade capitalista, sem os exageros que os próprios homens criam. Hoje, ainda vivemos numa grande escravidão. Só que agora os escravos vivem todos no hemisfério sul (exceção da Austrália) e servem aos senhores do hemisfério norte. Estes são os únicos que vivem em condições condignas de seres humanos.
Se eu não puser o ponto final, não páro nunca. rsrsrsrs
Valeu pelo seu comentário. Muito obrigada. É isso que me move a continuar a escrever.
Abraços,
Eliane
Eliane,
ResponderExcluirOtimo texto!!!! Parabéns.
Para complementar e dar um update no artigo seguem algumas matérias recentes se houver interesse:
http://www.reuters.com/article/2011/04/25/brazil-amnesty-idUSN2520740220110425
http://www.google.com/hostednews/canadianpress/article/ALeqM5gWO8N6j5slmWv70Mbw9ltF2Lq3rw?docId=6674922
Um sistema que acredito seria a solução para a situação seria a formalização do espaço público. A Turquia implementou esse sistema o qual com algumas mudanças poderia ser eficiente:
http://www.fig.net/pub/fig2007/papers/ts_8d/ts08d_02_uzun_colak_1407.pdf
Para finalizar, o grande problema é que sempre se há segundos interesses quando se trata de políticas sociais no Brasil. Esse artigo tem algumas informações interessantes apesar de ter algumas fontes não muito confiáveis (Ex: Jornal O Globo).
http://www.alterinfos.org/spip.php?article4961
Sou formado e "Latin American Studies" e "International Business" e tenho grande intesse e idéias similares as suas no aspecto político/social/econômico no Brasil.
Parabéns mais uma vez pelo texto.
Rodrigo Gomes.
Oi Rodrigo. Obrigada. Adorei receber os links. Ainda não consegui tempo pra ler todos, mas vou ler, é claro. Aparece de vez em quando, OK?! :)
ResponderExcluirAbração,
Eliane