sábado, 8 de janeiro de 2011

Tudo culpa da interferência antrópica

(*) A construção do cais do Porto do Rio de Janeiro contribuiu enormemente para uma verdadeira (claro que não a primeira), festa de assoreamento e canalização de rios e aterramentos exagerados de toda sorte na cidade. Desde a chegada da Corte em 1808 até as obras de melhoramentos do Porto do Rio de Janeiro, aterraram-se lagos e lagoas, assorearam-se rios vitais para o que só hoje sabemos ser fundamental para a sobrevivência do ecossistema carioca. O Rio de Janeiro sempre foi, desde a sua descoberta, um lugar com predominância de mangues em toda a "extensão real” da Baía de Guanabara, ou seja, tudo o que não era mar aberto ao oceano, era baía e, portanto, mangue.

Os inúmeros aterros com inúmeras finalidades distintas fizeram com que, mesmo bem no início do século XX, a cidade sofresse consequências da intervenção humana na sua urbanização. Já em 1902, a Rua do Senado, por exemplo, sofria com enchentes como as que vemos ainda hoje naquela área. Certamente o aterro da Lagoa do Boqueirão (atual Passeio Público) e pequenos mangues em seu entorno, foram (e continuam sendo) os vilões das enchentes.

Se a Praça da Bandeira também é um local que sempre sofreu com enchentes, deve-se ao fato de ali ser (e ainda é, pois que estão semi-canalizados) a foz, exatamente isso, a foz dos rios que nascem no maciço da Tijuca e desaguam no mar da baía de Guanabara, que no início do século XIX, chegava àquela área, visto que não existia a Avenida Francisco Bicalho e seu entorno. No caminho entre a atual Praça Tiradentes e o Paço de São Cristóvão (a Quinta da Boa Vista) havia uma série de magues que impediam o trânsito sem percalços das carruagens à época de Dom Pedro I.

Ou vocês acham que o Rio Maracanã deságua aonde? Ou melhor, como ele está canalizado e nós não o vemos correr, como um rio “de verdade”, mas sim como um “valão”, da mesma maneira que o Rio Comprido, que passa por baixo do elevado Paulo de Frontin, nosso imaginário não “percebe” esses e tantos outros rios da cidade. Ainda hoje os rios Maracanã e Comprido deságuam no Canal do Mangue, que tem saída para o mar.

Quantas vezes nós tivemos vontade de trucidar os prefeitos da cidade por causa das enchentes de verão? E eles não são os “culpados” pelas enchentes. Não neste contexto. Talvez culpados por não fazerem a devida manutenção em galerias e afins. Entretanto, mesmo com toda a tecnologia e devidas manutenções em ordem, estamos fadados a ter de conviver com as enchentes, sim. Esse é um dos preços que pagamos para ter a vista estonteante do Aterro do Flamengo, com o Pão de Açúcar ao fundo. É tudo culpa da interferência antrópica. Ihhh... Complicou? Segue a tradução: é a consequência causada por qualquer atividade humana que geralmente agride ou altera as características naturais de um ecossistema.

 

Enchente na Rua do Senado em 1902. Em janeiro/2009 teve uma igualzinha, eu me lembro.




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