sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Apenas um artista popular

Assim como ontem, hoje também vou postar aqui um vídeo já antigo e que eu não conhecia. Só hoje recebi-o por email do grande amigo Maraccini, que tem me ajudado a manter-me “em forma” neste mundo poluído de pela quantidade e a pela velocidade da informação. O vídeo mostra o conteúdo extra da entrevista concedida por Jessier Quirino, para o ‘Programa Literato’ do Centro Cultural Banco do Nordeste do Brasil – CCBNB, em Fortaleza, no Ceará, em 25/04/2006. Jessier Quirino se define como arquiteto por profissão, poeta por vocação, matuto por convicção. Nascido em 1954, em Campina Grande, na Paraíba e hoje vive em Iatabaiana, cidade no mesmo estado.

Logo de Jessier Quirino
Dono de um estilo próprio, "domador de palavras", de uma verve apurada e de um extremo preciosismo no manejo da métrica e da rima, o poeta, ao contrário dos repentistas que se apresentam em duplas, prende a atenção do público apresentando-se sozinho.
Segundo os críticos, Quirino preenche uma lacuna deixada pelos grandes menestréis do pensamento popular nordestino. Pessoalmente, eu usaria a palavra trovador em vez de menestrel. O poeta tem chamado a atenção do público, principalmente pela presença de palco e por uma memória extraordinária. Em julho/2008, apresentou-se no Programa do JÔ e não deve ter parado mais. Antes disso, fez uma aparição no programa ‘Fantástico’ da TV Globo, que eu soube assistindo ao vídeo do JÔ.

Trovador
Designação dos poetas líricos dos séculos XII e XIII, que se expressavam na chamada língua d’oc, dialeto falado na Idade média, no Sul da França, especialmente na região da Ocitânia juntamente com outro dialeto, o provençal. Na Idade Média, um poeta ambulante.

Menestrel
Poeta ou cantor medieval, de origem plebeia, a serviço de um rei, de um nobre ou de um trovador; um cantor ambulante.

Apesar de muitos considerá-lo um humorista, ele opta pela denominação de poeta, que procura mostrar o bom humor e a esperteza do matuto sertanejo sem, no entanto, fugir ao lirismo poético e literário. Para mim, sem muitos rótulos como prefiro, ele é um excelente artista popular. Vou dispensar o falatório.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

A Pergunta que não quer calar



Assisti ao vídeo acima, que já é antigo, 24/03/2010, em meados de fevereiro/2011. Eu não o conhecia, tampouco sabia da existência deste discurso fervoroso da Deputada Cidinha Campos, PDT-RJ, na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro – ALERJ.

Realmente, por não estarmos habituados a ver e ouvir aquilo que deveria ser o normal no dia a dia dos que se prestam a trabalhar na vida política, que tem por finalidade defender os direitos do povo da sua terra e a soberania da sua pátria, um discurso como este dá um nó na cabeça dos brasileiros. É mais do que certo que, por esta, os cariocas e os brasileiros não esperavam.


A Deputada Cidinha Campos sempre teve uma personalidade forte, de mulher determinada. Eu costumava assistir à TV ALERJ quando a operadora da minha TV a cabo era a NET. Como mudei para a SKY, via satélite, perdi todos os canais locais, pois o satélite não transmite proframação local. Muitos acham enfadonho e até inútil assistir a uma sessão da ALERJ, da Câmara dos Deputados em Brasília, do Senado Federal ou do STF. Mero engano. É ali que ficamos sabendo exatamente boa parte do que acontece no país. É também assistindo aos trabalhos do poder legislativo, que vemos o desempenho de cada membro destas casas. Talvez um dia, quem sabe, a população brasileira abrirá mão, espontaneamente, da programação matinal e vespertina da “única” TV comercial aberta deste país, e passará a assistir canais de TV nos quais não há comerciais de margarina; em vez disso transmitem uma boa dose da vida real brasileira.

Impressionou-me como a indignação profunda de uma mulher séria calou fundo nos membros da ALERJ. Diante da algazarra e zombarias, características das casas parlamentares brasileiras, a voz daquela mulher revoltada com tamanho desmando, consentido veladamente no país, produziu um silêncio sepulcral de sete minutos no Palácio Tiradentes no Rio de Janeiro. Talvez todos estivessem lembrando-se das palavras, infelizmente ainda tão atuais, proferidas em discurso no Senado Federal, em 1914, por Rui Barbosa: “De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto".

Deputada Cidinha Campos, PDT-RJ
É mesmo espantoso quando alguém levanta-se e diz... Nada além da verdade. O hábito de assistirmos ao silêncio criminoso de todos diante da corrupção que corrói as estruturas do país, abalou a população brasileira que se sentia órfã de exemplos de idoneidade. A Deputada “lavou a alma” dos brasileiros durante sete minutos ininterruptos. Por onde este vídeo passou, deixou um rastro de elogios e agradecimentos à Deputada Cidinha Campos. Entretanto, a repercussão alcançada por este discurso me fez pensar, refletir bastante. O que mais eu li nas palavras dos brasileiros foi: “Deputada Cidinha Campos para presidente”.

De fato, a pergunta que não quer calar é: “Mas não é essa a sua obrigação? Não foi para isso que a nobre Deputada foi eleita?” O fato é que a Deputada foi a única que cumpriu sua obrigação. O que deveria ser a regra tornou-se a exceção. Será que ninguém percebeu isso? Ou será que o problema sou eu, com meu cartesianismo?

Por último, peço minhas desculpas aos leitores por estar comentando uma notícia tão antiga, mas eu realmente não sabia deste episódio e achei que deveria externar minha opinião.


domingo, 20 de fevereiro de 2011

Manon Belletti em estilo rococó

Ainda não estive em Londres e, portanto, não conheço a National Gallery. A tecnologia, entretanto, tem permitido ao homem se aproximar de coisas até então inimagináveis. Como eu amo as artes em geral, visitar virtualmente os maiores e mais famosos museus do mundo é uma das delícias tecnológicas que gosto de desfrutar. E foi fazendo um tour virtual pela National Gallery de Londres que me deparei com um quadro que tirou minha respiração por uns instantes. Como diz Oscar Niemayer, "a arte é o assombro que o ser humano sente diante da sua beleza". Acho essa definição perfeita. Vi o quadro ‘Portrait of Manon Balletti’, do artista francês Jean-Marc Nattier, pintado em 1757 e que é parte do acervo permanente da National Gallery, London. Fui procurar saber um pouco mais a respeito daquela obra que me chamou a atenção e encontrei uma história belíssima e real por trás daquela pintura que existe há mais de 250 anos.

Portrait of Manon Balletti por Jean-Marc Nattier em 1757, Coleção da National Gallery, London
 

Jean-Marc Nattier (1685 - 1766), pintor francês, nascido em Paris. Ainda jovem, com 15 anos, recebeu seu primeiro prêmio da Academia de Paris, e dedicou-se a copiar em desenho a série de pinturas de Maria de Médici, obras de Rubens. As gravuras realizadas a partir destes desenhos, e publicadas em 1710, trouxeram-lhe fama. Em 1715 viajou para Amsterdã, onde encontrou-se com o imperador russo Pedro, o Grande, e realizou algumas obras para ele, incluindo o seu retrato e o da imperatriz. Foi o pintor preferido das filhas do Rei de França, Luís XV, e representou-as em variadas ocasiões. Seu sucesso entre a nobreza se deveu em grande parte à capacidade que tinha de embelezar os modelos ao mesmo tempo em que lhes preservava a semelhança, e ainda, aos ambientes evocativos da antiguidade clássica. Nattier optou pelo estilo rococó em seus quadros. Jean-Marc Nattier tem obras nos mais importantes museus e coleções do mundo.

O estilo rococó
As cores mais usadas são claras e a tela se enche de azuis, amarelos pálidos, verdes e rosa. As pinceladas são rápidas e suaves. A elegância se sobrepõe ao realismo. As texturas se aperfeiçoam, bem como os brilhos. Há uma peculiar obsessão pelas sedas e rendas que envolvem as figuras femininas.


Giacomo Casanova

Manon Balletti
A modelo do quadro que vemos, pintado por Nattier em 1757, é Manon Balletti (1740-1776). Filha de atores italianos em tournée pela França e amante do famoso conquistador Casanova. Ela tinha 10 anos de idade quando o conheceu. Manon vinha a ser filha de Silvia Balletti, atriz da Comédie Italienne e irmã do melhor amigo de Casanova. Os amantes começaram seu relacionamento quando Casanova tinha 32 anos e Manon tinha 17 anos. Embora a mãe de Manon tivesse o nome associado ao mundo artístico, o que era sinônimo de péssima reputação à época, Casanova via mãe e filha como mulheres de natureza pura. Manon escreveu a ele 42 cartas cheias de amor e de sentimentos profundos. Uma citação muito conhecida, escrita numa dessas cartas, cita de Casanova como: "Meu amante, meu marido, meu amigo". Apesar de Casanova estar profundamente apaixonado por Manon, suas paixões sexuais levaram-no à infidelidade, fazendo com que seu relacionamento de três anos passasse a ser um convívio de altos e baixos. Manon, no entanto, continuou a partilhar a sua casa com Casanova, na Rue du Petit-Lion-St. Sauveur. Manon era, na época, noiva de seu professor de clavicórdio (um dos mais antigos instrumentos de cordas e teclado), mas desfez o noivado a pedido de Casanova, reatando, assim, seu compromisso com ele.

Clavicórdio de 1763 da Coleção de Crosby Brown

Isso não o impediu de voltar a seus vários affairs sexuais com outras mulheres. Ainda assim, Manon se manteve fiel a ele. Em suas memórias está gravado o seu arrependimento por ter sido tão indelicado com ela ao ter mantido esses romances. Em realidade, uma espécie de compulsão pela sedução. Casanova foi preso depois de ter sido processado por credores em Paris. Manon enviou-lhe um par de brincos de diamantes com os quais ela pagou sua fiança. Em seguida, ela terminou o noivado e devolveu à Casanova seu retrato e suas cartas. Manon se casou com o arquiteto Jacques-François Blondel um pouco depois. O casamento de Manon foi uma decepção para Casanova, que acreditava, um dia, ser capaz de viver com ela para sempre. Manon morreu aos 36 anos, de uma não comprovada hipertensão pulmonar. Casanova escreveu em suas memórias sua crença de que seu comportamento encurtou a vida de Manon.

O autor da belíssima obra, Jean-Marc Nattier em portrait por Louis Tocqué em 1720



Uma sociedade com mais cérebros do que bundas

De gravatinha borboleta, Jorge Vidor
Esta manhã assisti a uma entrevista, se é que podemos chamá-la assim, na GloboNews, feita pelo jornalista Jorge Vidor, para o programa Conta Corrente Especial. Os convidados eram dois professores: Mônica de Bolle, Professora de Macroeconomia da PUC-RJ e Reinaldo Gonçalves, Professor titular de Economia Internacional do IE da UFRJ. Apesar de a professora, segundo suas próprias palavras, estar analisando as razões conjunturais da inflação em alta e crescimento em baixa no Brasil, o Professor Reinaldo Gonçalves deu um show de síntese sobre os problemas estruturais pelos quais o Brasil tem passado, principalmente nos dois governos Lula, que sem a devida atenção e planejamento para a resolução, de nada adiantarão medidas paliativas sempre que, ciclicamente, passarmos pelos problemas conjunturais que, obviamente, serão sempre esperados, já que não se romperá o elo da cadeia.
Com essa breve e quase única,  intervenção, nos menos de 30 minutos de programa, este professor, além de dar um ippon na professora e no entrevistador, me chamou a atenção para seu trabalho. Lá fui eu ler na internet tudo o que ele tem feito ultimamente. Meu blog não é a revista de fofocas, não... Mas como é que eu iria perder um “badado” desses, leitores?!

Monica de Bolle, Professora Macroeconomia da PUC-RJ

Na sua fala durante a entrevista, o Professor disse com todas as letras, que o governo Lula, juntamente com o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, foram irresponsáveis na política de oferta de crédito fácil, leia-se BNDES, e na política cambial, ao manter o dólar e o euro baixos; sem contar com a indecência (sic) dos cartéis em vários segmentos e sobre o nada que é feito. Obviamente, meu currículo não chega nem perto do currículo do Prof. Reinaldo, mas quando eu escrevo isso que ele falou, pois é o que eu penso, sinto-me escrevendo para as paredes, visto que esse assunto, quando comentado por mim, não causa reação nenhuma nas pessoas. Senão vejamos, meu post de 02/02 deste ano, Redes de Infraestrutura no Brasil. Ele eu mencionei um plano de aula do Curso de Preparação à ECEME. Este plano de aulas consiste de 3 itens: 
    1. Perspectivas Energéticas
    2. Sistema de Transporte Brasileiro
    3. Redes de Informação (Telecomunicações mais Informática)
    Falei sobre o transporte (Sistema de Transporte Brasileiro), pois este é, juntamente com a energia, o maior problema urbano do país há muito tempo. Mas, infelizmente, as pessoas estão viciadas em ler apenas o que todos leem. Sei que o post é grande e cansativo, mas ele foi feito para quem realmente quer se informar bem sobre os acontecimentos que nos cercam. Convido àqueles que estiverem interessados a ler o documento no link acima. É um texto sério e com informações valiosas.

    Professor Reinaldo Gonçalves
    Dentre os inúmeros trabalhos do Professor Reinaldo Gonçalves, encontrei um artigo dele excelente escrito em 2008, falando do PAC. Para não fazer um post mais extenso do que esse já está, mencionarei apenas um dos quatro pontos que ele destaca no seu texto "PAC: Desaceleração do Crescimento e Vulnerabilidade Externa".

    1. Erros de Concepção
    2. Inoperância na Implementação
    3. Diretrizes Macroeconômicas Equivocadas
    4. Síntese
    Vou mencionar o item 2, “Inoperância na Implementação”, pois penso ser o essencial. Os outros itens vocês encontram no link para o texto completo, contendo inclusive tabelas comparativas etc.

    Inoperância na Implementação
    1. A inoperância do governo federal evidencia-se quando se constata que somente 27% dos recursos previstos foram efetivamente pagos no primeiro ano de vigência do PAC.
    2. A ineficácia na implementação do PAC aparece, por exemplo, quando se considera que o conjunto dos principais projetos para o Rio de Janeiro, com a exceção dos projetos em andamento sob a responsabilidade direta da Petrobrás, somente dois dos 10 principais projetos saíram do papel.
    3. O argumento do governo de que 86% das 2126 ações em andamento estão tendo desempenho adequado carecem de credibilidade. Não há avaliação externa do PAC, não se conhecem os critérios de adequação e o julgamento do próprio gestor deve ser visto com desconfiança. Por que o governo Lula não cria um grupo independente de acompanhamento e avaliação do PAC com representações indicadas pela sociedade civil?
    4. No primeiro ano do PAC houve o “apagão aéreo” com suas trágicas consequências e o aumento do risco de grave crise no setor energético.
    5. Os aeroportos brasileiros aparecem na lista dos piores aeroportos do mundo, segundo a revista Forbes.
    6. Muitos especialistas afirmam que o país já está experimentando crise energética em decorrência da explosão dos preços negociados no mercado paralelo (mercado livre) de energia elétrica, do redirecionamento do gás natural para as termelétricas e as restrições de oferta das hidroelétricas.
    7. As mudanças do marco regulatório pouco avançaram e o que há de mais evidente parece ser o afrouxamento do controle dos processos de licenciamento ambiental.
    8. A questão da defesa da concorrência tornou-se secundária em um país marcado por forte centralização do capital. Este fato é relevante, por exemplo, quando se considera que o setor de cimento é, por um lado, estratégico para os investimentos em infraestrutura e, por outro, tem um histórico de fortes práticas comerciais restritivas. O abuso do poder econômico continua sem a efetiva regulação governamental.
    9. A Vale do Rio Doce, uma das três empresas multinacionais responsáveis pelo cartel do minério de ferro, tem sido acusada de práticas comerciais restritivas que afetam o setor de siderurgia e construção civil. O governo tem se mostrado inoperante em área que afeta diretamente a infraestrutura do país.
    10. Devido à sua própria inoperância, o governo conta com a maior liberalização externa na esfera produtiva via participação efetiva de empresas estrangeiras nas concessões para administrar as rodovias federais. No setor aéreo as autoridades federais defendem a ampliação do limite de participação do capital estrangeiro nas empresas aéreas nacionais de 20% para 49%.
    11. A inoperância governamental também é evidente no caso da crise do setor energético. Especialistas têm recorrentemente denunciado a ineficácia e, até mesmo, a irresponsabilidade do governo neste setor. Segundo o Instituto Ilumina há “passividade do governo federal” e “ausência de providências mais efetivas que possam evitar uma crise nos próximos dois ou três anos”. As mudanças no marco regulatório ficaram somente no papel ou, então, foram parcialmente executadas de tal forma que “o sistema hidroenergético tornou-se muito vulnerável”. Neste sistema não houve expansão adequada da oferta e “no que se refere à operação, praticamente nada de relevante foi acrescentado.”
    12. Sete anos depois da crise de energia e cinco anos de governo, o país defronta-se com séria restrição ao crescimento econômico em decorrência dos problemas energéticos, no que se refere tanto à hidroeletricidade quanto às outras fontes de energia, como o gás natural. Mais recentemente, o governo obrigou a Petrobrás a desviar gás natural para as termelétricas, o que provoca o aumento dos custos da produção de derivados do petróleo. A empresa reduzirá seus lucros e, portanto sua capacidade de investimento, ou, então, haverá aumento de preços.
    13. As autoridades governamentais que se mostraram inoperantes no que se refere à questão energética são, precisamente, aquelas que estão atualmente na coordenação do PAC, com destaque para a Ministra Dilma Roussef. Com os sinais evidentes de crise energética, após cinco anos de governo, a pergunta é: Por que Dilma Roussef não foi demitida?

    Reinaldo Gonçalves, Professor IE / UFRJ
    E eu vou além, gostaria de entender porque “energia de fonte nuclear” é um assunto tabu no Brasil. Se é limpa e barata, por que não? Por que este “medo” (ou será que não é medo, mas sim conveniência de alguém?) em debater o assunto?
    Digam se não é para refletir. Parem para pensar e raciocinar. Talvez seja preciso  repensar, quem sabe?! Não acreditem em discursos fáceis e cheios de jargões, siglas e palavras em inglês. Tudo que é muito fácil, é digno de uma avaliação mais cautelosa. Qualquer dia vou lançar aqui a "Campanha da Reflexão e do Raciocínio". É disso que precisamos, de uma sociedade com mais cérebros do que bundas.


    terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

    45, Avenue Montaigne, Paris

    Enquanto passava pela Ave. Montaigne em Paris, em maio/2010, local que concentra as principais lojas das mais célebres marcas de todo o mundo, algo meio que “perdido/esquecido”, me chamou a atenção em meio ao buzz daquela avenida. Vi uma dessas placas em cimento, informando que alguém famoso viveu ali, o que é comum na França. Quando me aproximei e li, imediatamente fotografei aquele marco que, para mim, brasileira, causou um orgulho enorme. Lamento que pouquíssimas pessoas conheçam a história de vida de um homem tão especial como este brasileiro. Por isso, resolvi compartilhar com vocês não apenas a foto, mas também, e principalmente, sua história.

    A placa em homenagem à Souza Dantas está entre os dois toldos à direita, do que hoje é a Maison Salvatore Ferragamo.

    No início dos anos 40, desafiar as orientações mais banais do Estado Novo, era assustador. De acordo com o caso, o destino inevitável era a prisão. Na Europa, este período foi ainda pior, pois o avanço da ocupação nazista criou um clima de total terror.
    O Embaixador Luiz de Souza Dantas
    Foi nesse cenário que se passou o capítulo mais intenso da vida do embaixador Luiz Martins de Souza Dantas. Durante 20 anos, Souza Dantas estava no comando da missão diplomática brasileira na França. Movido por aquilo que ele mais tarde chamou de "sentimento cristão de misericórdia", ele desafiou duas ditaduras ao mesmo tempo, concedemdo centenas de vistos diplomáticos de entrada no Brasil a pessoas que, do ponto de vista da política de imigração brasileira, eram considerados indesejáveis. Eram judeus, comunistas e homossexuais que estavam fugindo do horror do nazismo. Com suas ações, Souza Dantas salvou cerca de 800 pessoas do extermínio. Ele se tornou o equivalente brasileiro ao industrial alemão Oskar Schindler, que salvou 1.200 pessoas do Holocausto, segundo o que foi narrado por Steven Spielberg em seu filme, A Lista de Schindler. As ações do diplomata brasileiro ficaram esquecidas por anos. Só há pouco tempo elas começaram a ter o seu real lugar também na história do Brasil. Em junho de 2003, Souza Dantas foi proclamado "Justo entre as Nações". Ele se tornou um dos poucos a receber tal distinção do Museu do Holocausto, em Israel, concedida somente àqueles que, sob o jugo nazista, arriscaram-se pelo bem de outras pessoas.
    As atitudes de Souza Dantas, entretanto, ainda não estão nos livros didáticos. Durante décadas, seu feito ficou restrito à memória das famílias que foram salvas por ele. Uma parte importante dessa história ficou esquecida, juntamente com outros documentos, em meio à burocracia do Estado Brasileiro, mantida como memorandos históricos nos arquivos do Itamaraty e no Arquivo Nacional. Juntando essas duas fontes de informação, o historiador carioca, Fabio Koifman, construiu uma biografia mais precisa do embaixador. O resultado foi sua dissertação de mestrado na Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ. Os mais de 7.500 documentos reunidos por Fábio Koifman ajudaram-no a compor a lista dos 425 judeus salvos por Souza Dantas. Esta lista foi a base do processo de reconhecimento do Museu do Holocausto. Sem contar os depoimentos colhidos durante os quatro anos de trabalho, surgiram histórias impressionantes, até então desconhecidas, como a do diretor do Teatro Polonês, Zbigniew Ziembinski, considerado um dos maiores revolucionários das artes cênicas no Brasil. Foi graças a Souza Dantas, que Ziembinski chegou do Rio de Janeiro, em 1941, depois de peregrinar pela Europa em busca de uma saída do inferno da guerra. "Tinha gente deitada no chão, junto às embaixadas, pedindo, esperando, submetidas às piores zombarias, às piores torturas", lembrou Ziembinski anos mais tarde, em um registro sem precedentes de suas memórias. "Até o momento em que, de repente, ficamos sabendo que havia um Quixote... O famoso embaixador Dantas".

    Ici a vecu pendant 22 ans un grand ami de la France, Luiz de Souza Dantas, Ambassateur du Brésil à Paris, de 1922 à 1944.
    Aqui viveu por 22 anos um grande amigo da França, Luiz de Souza Dantas, Embaixador do Brasil na França, de 1922 a 1944.


    Ziembinski, cuja origem judaica nunca foi confirmada, estava entre as centenas de pessoas que vieram para o Brasil nos navios que atravessaram o Atlântico. A viagem não foi um grande problema. O maior obstáculo para os refugiados não era conseguir um navio, apesar de serem raros naqueles tempos. O mais difícil era conseguir os vistos necessários para chegar aos países de destino. Como acontece ainda hoje em dia, o êxodo de refugiados era um fantasma para muitas nações. No Brasil, houve um outro problema somado à lista de dificuldades, a orientação do governo Vargas contrária à imigração judaica. No entanto, ciente dos riscos envolvidos em contrariar Getúlio, Souza Dantas mandou abrir as portas de sua embaixada em Vichy, para onde a representação diplomática brasileira fora transferida após a ocupação nazista da França.

    Neste ínterim, sua coragem trouxe-lhe problemas, como um inquérito aberto pelo Departamento Administrativo do Serviço Público – DASP, criado por Getúlio Vargas. Ele foi acusado de conceder vistos irregulares. Em um telegrama do Itamaraty, Souza Dantas afirmou em sua defesa que, após a proibição, ele não concedeu "um único visto". Era mentira. Foi desobedecendo às ordens expressas de Getúlio Vargas que ele ainda salvou dezenas de pessoas. A prova viva do destemor do diplomata chegou ao historiador Fábio Koifman através do testemunho de Chana Strozemberg, polonesa cujo visto fora emitido em janeiro de 1941, um mês após a proibição, mas com dados falsos. O marido da Sra. Chana Strozemberg, em gratidão, insistiu que Souza Dantas aceitasse um presente. Como resposta, ouviu uma sugestão: “o senhor deveria doá-lo para a Cruz Vermelha Internacional”.

    Para colocar em prática estas ações de solidariedade, Souza Dantas usou os mais diversos arquivos de que dispunha. Ele concedeu vistos diplomáticos a portadores de passaportes comuns para que eles tivessem maior possibilidade de aceitação no destino. Alguns deles sequer tinham um passaporte comum. Ele costumava escrever em francês nos passaportes para facilitar a leitura no porto de embarque. Apesar de utilizar uma língua estrangeira, o francês, num papel destinado às autoridades da imigração brasileira, ele tomava o cuidado de seguir todos os procedimentos de rotina para o selamento dos passaportes. Fábio Koifman garante que esta foi uma das maneiras da concessão de vistos às pessoas. Em outros casos, o embaixador ficava como mediador entre os colegas de outras embaixadas para obtenção de vistos como se fossem brasileiros. A lista dos bens deixados pelo diplomata, encontrada em seu quarto no Grande Hotel de Paris, onde viveu no período de sua morte, em 1954, registra como o item mais valioso um cordão em ouro com o medalhão do Barão do Rio Branco. A melhor parte da história das memórias do embaixador é que, em uma época na qual muitos diplomatas vendiam vistos e aceitavam jóias como pagamento, o embaixador brasileiro, Luiz Martins de Souza Dantas, nunca se deixou corromper.
    A partir do cuidadoso trabalho do Professor Koifman temos hoje uma das mais dignificantes biografias brasileiras.

    Fonte: The International Raoul Wallenberg Foundation

    sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

    Ser carioca não é pra qualquer um

    Muitos já falaram, outros já cantaram, e outros ainda já escreveram lindos poemas e crônicas sobre a cidade do Rio de Janeiro e sobre o modo carioca de ser.
    Pessoalmente, apesar de ter nascido na Policlínica de Botafogo em 1960 e, desde então, morar na cidade que já foi, sim, maravilhosa, nunca me senti uma carioca verdadeira, "da gema" como se costumava dizer. Digo nunca me senti porque realmente o espírito carioca, esse não apareceu lá na policlínica naquele ano. Cheguei ao mundo sem ele. Na realidade, acho mesmo que algum outro espírito tomou à frente do carioca e apossou-se de mim naquele final de fevereiro, tão próximo ao carnaval. Que ironia, não?! Eu nasci quase no dia de carnaval. No entanto, eu e o carnaval nada tínhamos a ver um com o outro. Desde criança, minha mãe me fantasiava de baianinha e me levava aos clubes da cidade para ver se eu me “desinibia” e saía pulando e brincando o carnaval como as crianças “normais”. Este intento mamãe jamais conseguiu. Houve um ano em que ela me levou ao Tijuca Tenis Clube, que tinha um dos mais conceituados e famosos bailes infantis da cidade, e lá estava eu sempre com uma fantasia tão bonitinha. Mamãe me levava até onde as crianças estavam brincando, também fantasiadas, ao som das marchinhas de carnaval do passado, e ela me dizia: “vai minha filha, pega na mãozinha dela (me apontando alguma menina da minha idade ou do meu tamanho) e é só sair brincando”. A menina até estendia a mão, mas eu caía no choro imediato. Tudo o que eu queria naqueles momentos de “tortura” era sair daquele ambiente barulhento e estar em casa, à vontade, com os pezinhos quietos e brincando com minhas bonecas ou assistindo TV. Claro que um dia mamãe desistiu, pois viu que depois de várias batalhas perdidas, definitivamente, eu não gostava de carnaval.


    Eis-me no carnaval de 1968
    Não havia muito a ser feito, eu nasci com a pele alva como a da Branca de Neve e assim permaneço até hoje. Já se pode, então, imaginar que o capítulo praia também não estava dentre os meus preferidos. Não que eu não goste do mar, ao contrário. O problema é o “ir à praia” à moda carioca. Praias cariocas não têm árvores nas calçadas e, sombra, é uma palavra que não se usa aqui na cidade. As prais cariocas são lotadas de gente que disputam um pedacinho de areia, num clima úmido, abafado, com a finalidade única de se transformar num bife à milanesa. Durante minha adolescência, quando temos a imperiosa tarefa de fazer exatamente tudo o que a “turma” faz, por duas vezes foi parar no hospital com queimaduras. 
    Era exatamente assim que eu ficava, uma graça
     Até porque em 1974/75, filtro solar era algo que eu não conhecia, só se falavam em bronzeadores, que eu não usava, senão as queimaduras seriam maiores. Uma vergonha, diziam os médicos. Uma menina com uma pele tão branquinha não pode tomar sol assim. “Você nasceu pra viver num país europeu, minha filha, sua pele não está preparada para enfrentar um país tropical, quase não tem melanina!” Pois foi nesse dia que caiu a minha ficha. É claro! Eu não tenho nada a ver com o Rio de Janeiro! O espírito que veio comigo não foi o carioca, foi outro, foi o parisiense! Estava tudo explicado na minha cabeça. Então era por isso que eu já estudava na Aliança Francesa, por vontade minha, não da minha mãe, e por isso que eu gostava tanto de lá. E por isso que eu vivia sonhando em conhecer a frança inteirinha. Por enquanto, só conheço Paris, mas em breve, “dominarei todo o hexágono”.

    Querem mais exemplos? Eu odeio chope ou cerveja, pagode então, nem pensar, sambinha de raiz, os bares da Lapa à noite, nada. O que me agrada é um clima frio para poder apreciar um bom vinho, tomar um chá Darjeeling, que é um chá preto feito de folhas leves cultivadas aos pés das montanhas do Himalaia, acompanhado de todos aqueles petit-fours, e a levíssima viennoiserie francesa.  O problema é que o Rio de Janeiro é uma cidade super tropical. Os hábitos que me agradam não são os daqui. Ser uma parisiense, além de ser um estado de espírito, é uma arte. Mas ser carioca é um estado de espírito, aquele lá, que não nasceu comigo, lembram-se? 
    O chá com creme do Angélina na Rue de Rivoli
    Portanto, não aprendi o gingado do andar e do falar “carioquês”.
    Um carioca não diz ‘sim’, fala ‘já é’; não ‘briga’, ‘cai na porrada’; não ‘entende’, ‘se liga’; não ‘mente’, ‘manda um caô’; não fala ‘oi’, fala ‘cóé’; não fala ‘vai’, fala ‘mete o pé’ ou ‘vaza’; não pede ‘desculpas’, diz ‘foi mal’; não diz ‘obrigado’, diz ‘valeu’; não ‘passeia’, ‘dá um rolé’; não fala ‘meu’, fala ‘mané’; não fala ‘tá me tirando, mano?’, fala ‘tá de sacanagem, né?!’; jamais é ‘mano’, carioca é sempre ‘mermão’; não ‘ouve música’, ‘escuta um batidão’; não atende o celular dizendo ‘alô’, mas sim dizendo ‘fala aê!’; não ‘dá ideia’, ‘manda uma real’!; não fica ‘chateado’, carioca fica ‘bolado’; não ‘sai escondido’, ‘dá um perdido’; não pede ‘por favor’, fala ‘na moral’; não usa ‘tênis’, vai de ‘havaianas’ mesmo!; não fala ‘tá certo’, fala ‘tá tranquilo’; não fala ‘deixa comigo’, fala ‘é nóis, tamo junto, tudo nosso’; não diz: ‘o que aconteceu’? diz: ‘qual foi?’ 


    Esse é, atualmente, o maior ícone de um carioca da gema

    O carioca quando chega em qualquer lugar, todos já sabem que ele ou ela é carioca, só pelo jeito de andar, já cantado em prosa e verso. Mas eu... Eu, definitivamente, não sou aquela carioca “da gema”, mesmo tendo nascido no Rio de Janeiro quando ele ainda era o Estado da Guanabara.


    terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

    A Operação Brother Sam

    Ontem à noite, assisti a uma videopalestra no TwitCam com o Prof. Carlos Fico, Professor do Instituto de História da UFRJ, que falou sobre a ‘Operação Brother Sam’. Não sei se muitos conhecem esse capítulo fascinante da história recente do Brasil. Por este motivo, resolvi postar o vídeo com a palestra interessantíssima do Prof. Fico. Assistam ao vídeo e, em seguida, comparem com o texto que escrevi baseada em outras fontes.


    A Operação Brother Sam consistia no envio de 100 toneladas de armas leves e munições, navios petroleiros com capacidade para 130 mil barris de combustível, 1 esquadrilha de aviões de caça, 1 navio de transporte de helicópteros com a carga de 50 helicópteros com tripulação e armamento completo, 1 porta-aviões classe Forrestal, 6 destróieres, 1 encouraçado, além de 1 navio de transporte de tropas, e 25 aviões C-135 para transporte de material bélico.

    Lincoln Gordon
    O então embaixador Lincoln Gordon havia pedido a Washington apoio logístico aos militares brasileiros. Os EUA tinham forte influência em toda a América (com exceção de Cuba). A Operação Popeye (Movimentação das tropas em Minas Gerais) estava sendo apoiada pela frota americana. Não podemos deixar de mencionar a visão econômica da época. A influência sobre Brasil era muito grande, as empresas de capital multinacional que aqui estavam tinham o domínio de grande parte da infraestrutura que sustentava o país; a geração elétrica, o fornecimento de água, de gás, de combustíveis, a indústria de alimentos, de roupas e toda a base da produção nacional.

    João Goulart e Lincoln Gordon

    Os motivos da operação
    Devido à Guerra Fria, qualquer linha de pensamento que não coadunasse com a dos EUA era mal vista e, por isso, eles não viam o governo de João Goulart, considerado por alguns como “mais progressista”, com bons olhos; havia três anos que os EUA já estavam incentivando, estrategicamente, uma campanha de desestabilização para enfraquecer o governo João Goulart, a fim de eliminar a influência das esquerdas no País.

    O perigo das esquerdas
    Com a posse de João Goulart, e o Brasil liderando a América Latina, poderia haver alinhamento da América do Sul ao bloco comunista. Naturalmente, por uma questão estratégica, e com a guerra fria em pleno andamento, os EUA não poderiam aceitar um país de dimensões continentais como o Brasil, aliado aos Soviéticos, Chineses e demais países considerados inimigos. Conforme noticiado na imprensa da época, os americanos em 1962 sugeriram que o Brasil adotasse sanções contra Cuba. A negativa brasileira foi veemente.

    Brizola e a estatização da ITT
    Em fevereiro de 1962, Leonel Brizola estatizou a ITT – International Telegraphs & Telephones, empresa de telefonia norte-americana no Rio Grande do Sul, transformando-a na CRT - Cia. Rio-grandense de Telecomunicações. As empresas americanas possuíam 31 das 55 maiores empresas do Brasil. Brizola foi avisado para não realizar as estatizações. Muitos militares que apoiavam Brizola julgaram sua atitude temerária.

    A Lei de Remessa de Lucros
    Em setembro de 1962 o Congresso Nacional Brasileiro aprovou a Lei de Remessa de Lucros, que era a proibição de empresas multinacionais de mandarem todos os lucros para suas sedes no exterior. Isso ocasionou bilhões de dólares de prejuízos aos EUA. Essa foi mais uma provocação considerada pelos EUA como inadmissível, e esta sim, desencadeou o financiar dos preparativos para o golpe. Lincoln Gordon, em comunicado ao presidente americano, demonstrou muita preocupação.

    John Kennedy e João Goulart
    John Kennedy era amigo pessoal de João Goulart e ordenou que Lincoln Gordon agisse com cautela para evitar uma revolução no Brasil. Gordon não aceitou ao conselho, descumprindo seriamente a ordem.


    João Goulart e John Kennedy

    Lyndon Johnson
    Com a morte de Kennedy, Lyndon Johnson toma posse em novembro de 1963 e, em janeiro de 1964, João Goulart sancionou a Lei de Remessa de Lucros, o que deixou as relações entre Brasil e Estados Unidos bastante complicadas. As empresas americanas ameaçaram fechar suas filiais no Brasil. Se isso acontecesse, o país se transformaria num caos socioeconômico, e muito provavelmente haveria uma revolução devido ao descontentamento da população.

    O presidente João Goulart só ficou sabendo da Operação Brother Sam em 01/04/1964, no Palácio das Laranjeiras, através do político e seu Ministro da Fazenda, San Tiago Dantas, a pedido, em 28/03/1964, do também político e Ministro das Relações Exteriores, Afonso Arinos de Melo Franco.

    Faz-se necessário destacar que houve a intermediação nas negociações da Operação com o governo dos EUA, de um militar brasileiro. Este militar era o General-de-Divisão José Pinheiro de Ulhôa Cintra, enteado do ex-presidente da república, General Eurico Gaspar Dutra, e homem de total confiança do General Castello Branco.

    Observem uma conversação telefônica entre o presidente Johnson e o secretário assistente de Estado para Assuntos Interamericanos, Thomas Mann, em 3 de abril de 1964, dois dias após a revolução:
    Thomas Mann: Espero que esteja tão feliz como eu acerca do Brasil.
    Lyndon Johnson: Estou.
    Thomas Mann: Penso que é a coisa mais importante acontecida no hemisfério nos últimos três anos.
    Lyndon Johnson: Espero que eles nos dêem algum crédito ao invés do inferno.
    (Michael Beschloss, Taking Charge: The Johnson White House Tapes, 1963-1964 (New York, 1997), p.306. Todas as outras fontes desta secção sobre Gordon podem ser encontradas em: Washington Post, 22/dezembro/2009, obituário; The Guardian (Londres), 31/agosto/2007; William Blum, "Killing Hope", chapter 27.)

    E cito aqui as palavras do espião condenado Alger Hiss: “A prisão é um bom correctivo para três anos de Harvard". Alger Hiss foi um alto funcionário no Departamento de Estado dos EUA que, em 1948, foi delatado por espionagem a serviço do governo soviético. Hiss negou. Porém, em 1950, em plena guerra fria, foi condenado, por perjúrio, a cinco anos de prisão. Hiss cumpriu integralmente os cinco anos de pena, mas durante toda a sua vida alegou inocência.

    Mesmo pelo fato de terem promovido uma gestão estatizante, os militares deixaram de enfrentar o perigo comunista. Houve ditadura no Brasil entre 1964 e 1985? Talvez tenha havido somente uma “ditabranda”, entre 1969 e 1975, como já se anda dizendo atualmente. Ninguém é a favor de ditaduras. De qualquer modo, não se pode deixar de louvar as forças armadas por terem impedido o país de se transformar numa imensa Angola. Nessas horas sempre é bom lembrar o sábio Edmund Burke: "evil rules when good men do nothing", ”O mal triunfa quando os homens de bem nada fazem”.


    domingo, 6 de fevereiro de 2011

    Mafalda, a Contestadora

    Sou uma fã ardorosa do Charlie Brown e disso todos sabem. Por outro lado, também tenho uma quedinha irrecuperável pela personagem Mafalda, do cartunista argentino, Quino. Talvez porque, em muitas situações, eu me veja na Mafalda, contestadora, indignada, inconformada com esse mundo louco.

    Encontrei o prefácio da primeira edição italiana de “Mafalda, a contestatária” – um livro que reúne suas tirinhas, publicadas em 1969. O prólogo foi escrito pelo semiólogo (pessoa que estuda os sistemas de signos, siginificados) Umberto Eco. Eis a transcrição.

    Mafalda não é apenas mais uma personagem dos desenhos animados; é, sem dúvida, a personagem dos anos 1970. Se para defini-la utilizou-se o adjetivo "contestatária" não foi apenas para colocá-la em sintonia com a moda do anticonformismo. Mafalda é uma verdadeira heroína "rebelde" que rejeita o mundo como ele é. Para entender Mafalda é necessário estabelecer um paralelo com a outra grande personagem, cuja influência, certamente não lhe é estranha, Charlie Brown.


    Charlie Brown e seu inseparável cãozinho Snoopy

    Charlie Brown é norte-americano, Mafalda é sul-americana. Charlie Brown pertence a um país próspero, a uma sociedade afluente a qual busca, desesperadamente, se integrar implorando por felicidade e por solidariedade. Mafalda pertence a um país cheio de contrastes sociais que, no entanto, quer integrá-la e fazê-la feliz. Mas Mafalda resiste e rejeita todas as ofertas. Charlie Brown vive em um universo infantil do qual, a rigor, os adultos estão excluídos (embora as crianças aspirem se comportar como adultos). Mafalda vive em um diálogo constante com o mundo adulto do qual ela não gosta nem respeita, ao qual se opõe, ridiculariza e repudia, reivindicando seu direito de continuar a ser uma menina que não quer se integrar ao mundo adulto dos pais. Charlie Brown certamente leu os "revisionistas" de Freud e busca uma harmonia perdida. Mafalda provavelmente leu “Che”.


    Na verdade, a Mafalda tem ideias confusas sobre política. Não consegue entender o que acontece no Vietnã, não sabe por que existem pobres, desconfia do Estado, e a presença dos chineses a deixa preocupada. Mafalda tem, contudo, uma única certeza: ela não se conforma. Ao seu redor, há uma turminha de personagens mais "inidimensionais": Manolito, o menino totalmente integrado a um capitalismo de bairro, absolutamente convencido de que o valor essencial do mundo é o dinheiro; Felipe, o sonhador tranquilo; Susanita que se desespera pela cobrança da sociedade católica de ser mãe, perdida em sonhos pequeno-burgueses. E por último, os pais de Mafalda, resignados, que aceitam a rotina cotidiana (recorrendo ao remedinho paliativo "Nervocalm"), vencidos pelo tremendo destino de terem de cuidar da Contestatária.
    O universo de Mafalda não é apenas o de uma América Latina nas suas áreas metropolitanas mais desenvolvidas: é também, de modo geral, e em muitos aspectos, um universo latino, e isto faz com que a Mafalda seja, para nós, muito mais compreensível do que muitas personagens dos quadrinhos norte-americanos. Finalmente, Mafalda que, em todas as situações, é uma "heroína do nosso tempo", o que não devemos pensar que seja uma qualificação exagerada para a personagenzinha de papel e tinta que Quino (seu criador) nos propõe. Ninguém nega que as histórias em quadrinhos (quando atingem níveis de qualidade) são um reflexo do momento social. E na Mafalda vemos os anseios de uma juventude inquieta que assume aqui uma forma paradoxal de uma desaprovação infantil, de um eczema psicológico da reação aos meios de comunicação de massa, de uma urticária moral causada pela lógica da Guerra Fria, de uma asma intelectual causada pelo Cogumelo atômico (de Hiroshima e Nagasaki). Já que nossos filhos se tornarão, por escolha nossa, tantas outras Mafaldas, é bom tratá-la com o respeito que merece uma personagem real.

    Bem, como eu não sou semióloga, posso dizer que acho essas análises, que forçam a barra até chegar num discurso ideológico, uma chatice só. Isso é muito "intelectualóide" pro meu gosto. Para mim, o meu amado Charlie Brown é tão somente o fruto da genialidade de Charles Schulz da mesma forma que a Mafalda o é em relação a seu criador, Quino. Em outras palavras, ambos são crianças especialíssimas que nos fazem rir, imaginar, sonhar, viajar nas suas histórias junto com as suas turminhas. Eles ajudam a tantos, inclusive eu, a manter feliz a criança que mora dentro de cada um de nós, e que não podemos deixar morrer nunca. É isso, tão simples como uma gargalhada de criança.



    Fonte: Blog de Ariel Palacios

    sábado, 5 de fevereiro de 2011

    O Flâneur de Beaudelaire revisitado

    Charles Beaudelaire, criador do conceito do flâneur

    Este vídeo foi totalmente feito com fotografias. É um projeto de Luke Shepard, estudante da American University of Paris. As sequências estão sensacionais. O autor foi super criativo e competente na realização do vídeo. Eu o vi e revi tantas vezes que resolvi compartilhá-lo com vocês. É simplesmente hipnotizante! Aproveitem.

    Título: Le Flâneur
    Locação: Paris, França
    Câmera: Nikon D90
    Música: 'Intro' by The XX




    quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

    Redes de Infraestrutura no Brasil

    A cada dia que passa, tenho me surpreendido mais e mais com os “estudos” que se tem produzido e publicado no Brasil referentes à infraestrutura. Apesar de ser uma grande falácia, o atual governo não se cansa propalar que o país cresceu, durante os últimos 8 anos, mais do que nunca visto na história do Brasil. Sabemos que não é bem assim. Mesmo considerando que fosse, é bom lembrar que crescimento não necessariamente significa desenvolvimento. E nesse caso em específico, crescimento, definitivamente, não é desenvolvimento.

    Os “especialistas” de plantão publicam todo o tipo de insensatez em livros, colunas de revistas e jornais, geralmente de pouca credibilidade. O que causa espécie é que os brasileiros leem essas asneiras e as tomam por verdades, afinal foram escritas por um “especialista”, assim denominado pela mídia. O pior é que quando alguém idôneo em sua área de atuação diz ou escreve um trabalho sensato e sério, mas sem apelo marketeiro, a população nem fica sabendo. A sensação é de impotência diante de tanta massificação. Li outro dia no site do Clube Militar, no Plano de Disciplinas do CEPREPECEME - Curso de Preparação à ECEME, dentro dos Conteúdos Básicos de Geografia, a unidade XV do curso com o título de ‘Redes de Infraestrutura no Brasil’. Transcrevi aqui apenas o item 2 desta unidade de estudo, a que trata do sistema de transporte brasileiro. Observem a diferença no texto formatado pelo curso no tocante à qualidade do conteúdo do artigo e à seriedade com que deve ser enfrentado o problema crucial como o de infraestutura. Totalmente diferente das obviedades que vêm sendo escritas pelos incontáveis pseudo-intelectuais que proliferaram nos últimos 10 anos. Percebam o que é pensar estrategicamente e com visão de futuro a infraestrutura do Brasil para que ele, mais do que crescer, se desenvolva.

    Sistema de Transporte Brasileiro
    A expansão da rede de transporte e telecomunicações se processou simultaneamente à modernização da economia. No país, predomina o sistema rodoviário na circulação de pessoas e mercadorias, com a expressiva participação de 65% a 75% na matriz dos transportes brasileiros, seguido por cerca de 20% da ferrovia. O transporte rodoviário é o grande eixo de movimentação de cargas no transporte brasileiro. Em países como Austrália, EUA e China, os números são de 30%, 28% e 19% respectivamente (THÉRY e MELLO, 2008).

    Transporte de massa rodoviário é inviável nas grandes cidades brasileiras sem o modal ferroviário

    Os investimentos no modal rodoviário pelo Estado está associado ao crescimento da indústria automobilística no país, visto que o maior incremento em rodovias ocorreu concomitantemente com a instalação de multinacionais montadoras de veículos, fabricantes de auto peças, de pneus e outros. Essas distorções na matriz dos transportes brasileiros e as ineficiências observadas também são explicadas pelos longos anos de estatização dos portos, ferrovias e dutos no Brasil. Neste sentido, percebe-se que o potencial para redução de custos somente poderá ocorrer se a participação do modal rodoviário vier a seguir os padrões internacionais, permitindo o crescimento da participação de modais mais baratos, particularmente o ferroviário.

    O polêmico projeto do trem bala ligando Rio a São Paulo

    A ampliação da malha rodoviária privilegiou os centros industriais, concentrando maiores investimentos principalmente no centro-sul do país. A tendência para a concentração das atividades urbano-industriais na região Sudeste, considerado o maior polo industrial, tornou essa região também o eixo de expansão das redes de energia, transporte e comunicações, devido à necessidade de interligá-la ao interior, principalmente ao Centro-Oeste e à região Norte. Nos anos de 1990, foram realizadas privatizações no setor de transporte, entre as quais o ferroviário, sendo que as concessionárias voltaram a investir na construção de novas vias. A malha ferroviária brasileira voltada para o serviço público de transporte de carga tem 28,5 mil quilômetros de extensão e participa com cerca de 20% na distribuição da matriz de transporte do Brasil (THÉRY e MELLO, 2008). Sua operação é realizada por intermédio de concessões à iniciativa privada. Os principais fluxos de mercadorias por meio de ferrovias são as de minerais na Região Norte, minerais e matérias-primas para as indústrias na Região Sudeste, de grãos na região Sul e parte da Região Centro-Oeste e combustíveis na Região Nordeste.

    As mudanças que vêm ocorrendo nas redes de transporte contribuem para a alteração da geometria do país. Mesmo assim ainda são bem visíveis os contrastes na distribuição das redes. As zonas mais estruturadas são o Sudeste, o Sul e parte do Centro-Oeste, de um lado, e o Nordeste, de outro. Há uma descontinuidade da rede no Espírito Santo e no sul da Bahia. Na Amazônia ainda persistem os maiores vazios, sem estradas asfaltadas ou vias navegáveis permanentes. Os eixos pioneiros de integração da Amazônia ao Centro-Sul de economia consolidada se dão por meio das rodovias BR-010 Belém-Brasília e BR-364 Porto Velho-São Paulo. O Rio Madeira também é importante eixo, pois permite a conexão da BR-364 com Manaus. Por fim, a BR-163 Cuiabá – Santarém atende todo o norte de Mato Grosso. A retomada do planejamento territorial, promovido pelo Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), tem permitido novos investimentos nas vias navegáveis, o que também não se produzia há décadas, visto que o setor de transporte hidroviário carece de planejamento histórico. Num total de 28 mil quilômetros de rios navegáveis em condições naturais, sem que se precise fazer obras de dragagem ou transposição, somente 10 mil quilômetros são utilizados no transporte de passageiros e carga (BRASIL, 2009). Mas a ampliação do transporte hidroviário esbarra com as obras do setor hidrelétrico que, em muitos casos, desenvolveu seus projetos sem avaliação integrada. No Brasil, a navegação interior é, em geral, considerada de importância secundária pelos setores voltados ao aproveitamento dos recursos hídricos, em especial pela hidroeletricidade. Os empreendedores privados do setor hidrelétrico têm resistido em investir em eclusas, que superaria as dificuldades do transporte fluvial. Exemplo dessa situação foi a construção da represa de Tucuruí (PA), obra inaugurada em 1984, na qual ainda hoje se espera pela conclusão da construção da eclusa. As principais vias navegáveis são a do Madeira-Amazonas, do Tocantins-Araguaia, do Paraná-Paraguai, do Tietê-Paraná e de Teles Pires-Tapajós. A dificuldade institucional do setor de se impor como meio de transporte de carga faz com que o transporte hidroviário responda por apenas 2% do transporte nacional, quando comparado ao ferroviário (20%) e ao rodoviário (65 a 75%) (THÉRY e MELLO, 2008).


    Outro ponto importante é que, na construção de uma rodovia, as questões ambientais devem ser consideradas como parte integrante da concepção do projeto até sua implementação. Deve-se prever, com muita acuidade, os impactos da rodovia sobre o meio ambiente, não só sobre o espaço físico, como também sobre a comunidade local. A rodovia, diferentemente de outras modalidades, tem impacto direto sobre a população lindeira ao longo da via e não só nos pontos de parada e conexão.