Ontem à noite, assisti a uma videopalestra no TwitCam com o Prof. Carlos Fico, Professor do Instituto de História da UFRJ, que falou sobre a ‘Operação Brother Sam’. Não sei se muitos conhecem esse capítulo fascinante da história recente do Brasil. Por este motivo, resolvi postar o vídeo com a palestra interessantíssima do Prof. Fico. Assistam ao vídeo e, em seguida, comparem com o texto que escrevi baseada em outras fontes.
A Operação Brother Sam consistia no envio de 100 toneladas de armas leves e munições, navios petroleiros com capacidade para 130 mil barris de combustível, 1 esquadrilha de aviões de caça, 1 navio de transporte de helicópteros com a carga de 50 helicópteros com tripulação e armamento completo, 1 porta-aviões classe Forrestal, 6 destróieres, 1 encouraçado, além de 1 navio de transporte de tropas, e 25 aviões C-135 para transporte de material bélico.
Lincoln Gordon
O então embaixador Lincoln Gordon havia pedido a Washington apoio logístico aos militares brasileiros. Os EUA tinham forte influência em toda a América (com exceção de Cuba). A Operação Popeye (Movimentação das tropas em Minas Gerais) estava sendo apoiada pela frota americana. Não podemos deixar de mencionar a visão econômica da época. A influência sobre Brasil era muito grande, as empresas de capital multinacional que aqui estavam tinham o domínio de grande parte da infraestrutura que sustentava o país; a geração elétrica, o fornecimento de água, de gás, de combustíveis, a indústria de alimentos, de roupas e toda a base da produção nacional.
Os motivos da operação
Devido à Guerra Fria, qualquer linha de pensamento que não coadunasse com a dos EUA era mal vista e, por isso, eles não viam o governo de João Goulart, considerado por alguns como “mais progressista”, com bons olhos; havia três anos que os EUA já estavam incentivando, estrategicamente, uma campanha de desestabilização para enfraquecer o governo João Goulart, a fim de eliminar a influência das esquerdas no País.
O perigo das esquerdas
Com a posse de João Goulart, e o Brasil liderando a América Latina, poderia haver alinhamento da América do Sul ao bloco comunista. Naturalmente, por uma questão estratégica, e com a guerra fria em pleno andamento, os EUA não poderiam aceitar um país de dimensões continentais como o Brasil, aliado aos Soviéticos, Chineses e demais países considerados inimigos. Conforme noticiado na imprensa da época, os americanos em 1962 sugeriram que o Brasil adotasse sanções contra Cuba. A negativa brasileira foi veemente.
Brizola e a estatização da ITT
Em fevereiro de 1962, Leonel Brizola estatizou a ITT – International Telegraphs & Telephones, empresa de telefonia norte-americana no Rio Grande do Sul, transformando-a na CRT - Cia. Rio-grandense de Telecomunicações. As empresas americanas possuíam 31 das 55 maiores empresas do Brasil. Brizola foi avisado para não realizar as estatizações. Muitos militares que apoiavam Brizola julgaram sua atitude temerária.
A Lei de Remessa de Lucros
Em setembro de 1962 o Congresso Nacional Brasileiro aprovou a Lei de Remessa de Lucros, que era a proibição de empresas multinacionais de mandarem todos os lucros para suas sedes no exterior. Isso ocasionou bilhões de dólares de prejuízos aos EUA. Essa foi mais uma provocação considerada pelos EUA como inadmissível, e esta sim, desencadeou o financiar dos preparativos para o golpe. Lincoln Gordon, em comunicado ao presidente americano, demonstrou muita preocupação.
John Kennedy e João Goulart
John Kennedy era amigo pessoal de João Goulart e ordenou que Lincoln Gordon agisse com cautela para evitar uma revolução no Brasil. Gordon não aceitou ao conselho, descumprindo seriamente a ordem.
Lyndon Johnson
Com a morte de Kennedy, Lyndon Johnson toma posse em novembro de 1963 e, em janeiro de 1964, João Goulart sancionou a Lei de Remessa de Lucros, o que deixou as relações entre Brasil e Estados Unidos bastante complicadas. As empresas americanas ameaçaram fechar suas filiais no Brasil. Se isso acontecesse, o país se transformaria num caos socioeconômico, e muito provavelmente haveria uma revolução devido ao descontentamento da população.
O presidente João Goulart só ficou sabendo da Operação Brother Sam em 01/04/1964, no Palácio das Laranjeiras, através do político e seu Ministro da Fazenda, San Tiago Dantas, a pedido, em 28/03/1964, do também político e Ministro das Relações Exteriores, Afonso Arinos de Melo Franco.
Faz-se necessário destacar que houve a intermediação nas negociações da Operação com o governo dos EUA, de um militar brasileiro. Este militar era o General-de-Divisão José Pinheiro de Ulhôa Cintra, enteado do ex-presidente da república, General Eurico Gaspar Dutra, e homem de total confiança do General Castello Branco.
Observem uma conversação telefônica entre o presidente Johnson e o secretário assistente de Estado para Assuntos Interamericanos, Thomas Mann, em 3 de abril de 1964, dois dias após a revolução:
Thomas Mann: Espero que esteja tão feliz como eu acerca do Brasil.
Lyndon Johnson: Estou.
Thomas Mann: Penso que é a coisa mais importante acontecida no hemisfério nos últimos três anos.
Lyndon Johnson: Espero que eles nos dêem algum crédito ao invés do inferno.
(Michael Beschloss, Taking Charge: The Johnson White House Tapes, 1963-1964 (New York, 1997), p.306. Todas as outras fontes desta secção sobre Gordon podem ser encontradas em: Washington Post, 22/dezembro/2009, obituário; The Guardian (Londres), 31/agosto/2007; William Blum, "Killing Hope", chapter 27.)
E cito aqui as palavras do espião condenado Alger Hiss: “A prisão é um bom correctivo para três anos de Harvard". Alger Hiss foi um alto funcionário no Departamento de Estado dos EUA que, em 1948, foi delatado por espionagem a serviço do governo soviético. Hiss negou. Porém, em 1950, em plena guerra fria, foi condenado, por perjúrio, a cinco anos de prisão. Hiss cumpriu integralmente os cinco anos de pena, mas durante toda a sua vida alegou inocência.
Mesmo pelo fato de terem promovido uma gestão estatizante, os militares deixaram de enfrentar o perigo comunista. Houve ditadura no Brasil entre 1964 e 1985? Talvez tenha havido somente uma “ditabranda”, entre 1969 e 1975, como já se anda dizendo atualmente. Ninguém é a favor de ditaduras. De qualquer modo, não se pode deixar de louvar as forças armadas por terem impedido o país de se transformar numa imensa Angola. Nessas horas sempre é bom lembrar o sábio Edmund Burke: "evil rules when good men do nothing", ”O mal triunfa quando os homens de bem nada fazem”.
Lincoln Gordon
O então embaixador Lincoln Gordon havia pedido a Washington apoio logístico aos militares brasileiros. Os EUA tinham forte influência em toda a América (com exceção de Cuba). A Operação Popeye (Movimentação das tropas em Minas Gerais) estava sendo apoiada pela frota americana. Não podemos deixar de mencionar a visão econômica da época. A influência sobre Brasil era muito grande, as empresas de capital multinacional que aqui estavam tinham o domínio de grande parte da infraestrutura que sustentava o país; a geração elétrica, o fornecimento de água, de gás, de combustíveis, a indústria de alimentos, de roupas e toda a base da produção nacional.
João Goulart e Lincoln Gordon |
Os motivos da operação
Devido à Guerra Fria, qualquer linha de pensamento que não coadunasse com a dos EUA era mal vista e, por isso, eles não viam o governo de João Goulart, considerado por alguns como “mais progressista”, com bons olhos; havia três anos que os EUA já estavam incentivando, estrategicamente, uma campanha de desestabilização para enfraquecer o governo João Goulart, a fim de eliminar a influência das esquerdas no País.
O perigo das esquerdas
Com a posse de João Goulart, e o Brasil liderando a América Latina, poderia haver alinhamento da América do Sul ao bloco comunista. Naturalmente, por uma questão estratégica, e com a guerra fria em pleno andamento, os EUA não poderiam aceitar um país de dimensões continentais como o Brasil, aliado aos Soviéticos, Chineses e demais países considerados inimigos. Conforme noticiado na imprensa da época, os americanos em 1962 sugeriram que o Brasil adotasse sanções contra Cuba. A negativa brasileira foi veemente.
Brizola e a estatização da ITT
Em fevereiro de 1962, Leonel Brizola estatizou a ITT – International Telegraphs & Telephones, empresa de telefonia norte-americana no Rio Grande do Sul, transformando-a na CRT - Cia. Rio-grandense de Telecomunicações. As empresas americanas possuíam 31 das 55 maiores empresas do Brasil. Brizola foi avisado para não realizar as estatizações. Muitos militares que apoiavam Brizola julgaram sua atitude temerária.
A Lei de Remessa de Lucros
Em setembro de 1962 o Congresso Nacional Brasileiro aprovou a Lei de Remessa de Lucros, que era a proibição de empresas multinacionais de mandarem todos os lucros para suas sedes no exterior. Isso ocasionou bilhões de dólares de prejuízos aos EUA. Essa foi mais uma provocação considerada pelos EUA como inadmissível, e esta sim, desencadeou o financiar dos preparativos para o golpe. Lincoln Gordon, em comunicado ao presidente americano, demonstrou muita preocupação.
John Kennedy e João Goulart
John Kennedy era amigo pessoal de João Goulart e ordenou que Lincoln Gordon agisse com cautela para evitar uma revolução no Brasil. Gordon não aceitou ao conselho, descumprindo seriamente a ordem.
João Goulart e John Kennedy |
Lyndon Johnson
Com a morte de Kennedy, Lyndon Johnson toma posse em novembro de 1963 e, em janeiro de 1964, João Goulart sancionou a Lei de Remessa de Lucros, o que deixou as relações entre Brasil e Estados Unidos bastante complicadas. As empresas americanas ameaçaram fechar suas filiais no Brasil. Se isso acontecesse, o país se transformaria num caos socioeconômico, e muito provavelmente haveria uma revolução devido ao descontentamento da população.
O presidente João Goulart só ficou sabendo da Operação Brother Sam em 01/04/1964, no Palácio das Laranjeiras, através do político e seu Ministro da Fazenda, San Tiago Dantas, a pedido, em 28/03/1964, do também político e Ministro das Relações Exteriores, Afonso Arinos de Melo Franco.
Faz-se necessário destacar que houve a intermediação nas negociações da Operação com o governo dos EUA, de um militar brasileiro. Este militar era o General-de-Divisão José Pinheiro de Ulhôa Cintra, enteado do ex-presidente da república, General Eurico Gaspar Dutra, e homem de total confiança do General Castello Branco.
Observem uma conversação telefônica entre o presidente Johnson e o secretário assistente de Estado para Assuntos Interamericanos, Thomas Mann, em 3 de abril de 1964, dois dias após a revolução:
Thomas Mann: Espero que esteja tão feliz como eu acerca do Brasil.
Lyndon Johnson: Estou.
Thomas Mann: Penso que é a coisa mais importante acontecida no hemisfério nos últimos três anos.
Lyndon Johnson: Espero que eles nos dêem algum crédito ao invés do inferno.
(Michael Beschloss, Taking Charge: The Johnson White House Tapes, 1963-1964 (New York, 1997), p.306. Todas as outras fontes desta secção sobre Gordon podem ser encontradas em: Washington Post, 22/dezembro/2009, obituário; The Guardian (Londres), 31/agosto/2007; William Blum, "Killing Hope", chapter 27.)
E cito aqui as palavras do espião condenado Alger Hiss: “A prisão é um bom correctivo para três anos de Harvard". Alger Hiss foi um alto funcionário no Departamento de Estado dos EUA que, em 1948, foi delatado por espionagem a serviço do governo soviético. Hiss negou. Porém, em 1950, em plena guerra fria, foi condenado, por perjúrio, a cinco anos de prisão. Hiss cumpriu integralmente os cinco anos de pena, mas durante toda a sua vida alegou inocência.
Mesmo pelo fato de terem promovido uma gestão estatizante, os militares deixaram de enfrentar o perigo comunista. Houve ditadura no Brasil entre 1964 e 1985? Talvez tenha havido somente uma “ditabranda”, entre 1969 e 1975, como já se anda dizendo atualmente. Ninguém é a favor de ditaduras. De qualquer modo, não se pode deixar de louvar as forças armadas por terem impedido o país de se transformar numa imensa Angola. Nessas horas sempre é bom lembrar o sábio Edmund Burke: "evil rules when good men do nothing", ”O mal triunfa quando os homens de bem nada fazem”.
Conhecia o fato histórico mas não com tal nível de detalhes. Excelente pesquisa história, Eliane,parabéns...
ResponderExcluirMeu anjo, eu frequento o Café História desde que ele foi criado. Foi quem armou a videopalestra que está no post e eu assisti. E tb eu gosto muito de história. :))
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