Muitos já falaram, outros já cantaram, e outros ainda já escreveram lindos poemas e crônicas sobre a cidade do Rio de Janeiro e sobre o modo carioca de ser.
Pessoalmente, apesar de ter nascido na Policlínica de Botafogo em 1960 e, desde então, morar na cidade que já foi, sim, maravilhosa, nunca me senti uma carioca verdadeira, "da gema" como se costumava dizer. Digo nunca me senti porque realmente o espírito carioca, esse não apareceu lá na policlínica naquele ano. Cheguei ao mundo sem ele. Na realidade, acho mesmo que algum outro espírito tomou à frente do carioca e apossou-se de mim naquele final de fevereiro, tão próximo ao carnaval. Que ironia, não?! Eu nasci quase no dia de carnaval. No entanto, eu e o carnaval nada tínhamos a ver um com o outro. Desde criança, minha mãe me fantasiava de baianinha e me levava aos clubes da cidade para ver se eu me “desinibia” e saía pulando e brincando o carnaval como as crianças “normais”. Este intento mamãe jamais conseguiu. Houve um ano em que ela me levou ao Tijuca Tenis Clube, que tinha um dos mais conceituados e famosos bailes infantis da cidade, e lá estava eu sempre com uma fantasia tão bonitinha. Mamãe me levava até onde as crianças estavam brincando, também fantasiadas, ao som das marchinhas de carnaval do passado, e ela me dizia: “vai minha filha, pega na mãozinha dela (me apontando alguma menina da minha idade ou do meu tamanho) e é só sair brincando”. A menina até estendia a mão, mas eu caía no choro imediato. Tudo o que eu queria naqueles momentos de “tortura” era sair daquele ambiente barulhento e estar em casa, à vontade, com os pezinhos quietos e brincando com minhas bonecas ou assistindo TV. Claro que um dia mamãe desistiu, pois viu que depois de várias batalhas perdidas, definitivamente, eu não gostava de carnaval.
|
Eis-me no carnaval de 1968 |
Não havia muito a ser feito, eu nasci com a pele alva como a da Branca de Neve e assim permaneço até hoje. Já se pode, então, imaginar que o capítulo praia também não estava dentre os meus preferidos. Não que eu não goste do mar, ao contrário. O problema é o “ir à praia” à moda carioca. Praias cariocas não têm árvores nas calçadas e, sombra, é uma palavra que não se usa aqui na cidade. As prais cariocas são lotadas de gente que disputam um pedacinho de areia, num clima úmido, abafado, com a finalidade única de se transformar num bife à milanesa. Durante minha adolescência, quando temos a imperiosa tarefa de fazer exatamente tudo o que a “turma” faz, por duas vezes foi parar no hospital com queimaduras.
|
Era exatamente assim que eu ficava, uma graça |
Até porque em 1974/75, filtro solar era algo que eu não conhecia, só se falavam em bronzeadores, que eu não usava, senão as queimaduras seriam maiores. Uma vergonha, diziam os médicos. Uma menina com uma pele tão branquinha não pode tomar sol assim. “Você nasceu pra viver num país europeu, minha filha, sua pele não está preparada para enfrentar um país tropical, quase não tem melanina!” Pois foi nesse dia que caiu a minha ficha. É claro! Eu não tenho nada a ver com o Rio de Janeiro! O espírito que veio comigo não foi o carioca, foi outro, foi o parisiense! Estava tudo explicado na minha cabeça. Então era por isso que eu já estudava na Aliança Francesa, por vontade minha, não da minha mãe, e por isso que eu gostava tanto de lá. E por isso que eu vivia sonhando em conhecer a frança inteirinha. Por enquanto, só conheço Paris, mas em breve, “dominarei todo o hexágono”.
Querem mais exemplos? Eu odeio chope ou cerveja, pagode então, nem pensar, sambinha de raiz, os bares da Lapa à noite, nada. O que me agrada é um clima frio para poder apreciar um bom vinho, tomar um chá Darjeeling, que é um chá preto feito de folhas leves cultivadas aos pés das montanhas do Himalaia, acompanhado de todos aqueles petit-fours, e a levíssima viennoiserie francesa. O problema é que o Rio de Janeiro é uma cidade super tropical. Os hábitos que me agradam não são os daqui. Ser uma parisiense, além de ser um estado de espírito, é uma arte. Mas ser carioca é um estado de espírito, aquele lá, que não nasceu comigo, lembram-se?
|
O chá com creme do Angélina na Rue de Rivoli |
Portanto, não aprendi o gingado do andar e do falar “carioquês”.
Um carioca não diz ‘sim’, fala ‘já é’; não ‘briga’, ‘cai na porrada’; não ‘entende’, ‘se liga’; não ‘mente’, ‘manda um caô’; não fala ‘oi’, fala ‘cóé’; não fala ‘vai’, fala ‘mete o pé’ ou ‘vaza’; não pede ‘desculpas’, diz ‘foi mal’; não diz ‘obrigado’, diz ‘valeu’; não ‘passeia’, ‘dá um rolé’; não fala ‘meu’, fala ‘mané’; não fala ‘tá me tirando, mano?’, fala ‘tá de sacanagem, né?!’; jamais é ‘mano’, carioca é sempre ‘mermão’; não ‘ouve música’, ‘escuta um batidão’; não atende o celular dizendo ‘alô’, mas sim dizendo ‘fala aê!’; não ‘dá ideia’, ‘manda uma real’!; não fica ‘chateado’, carioca fica ‘bolado’; não ‘sai escondido’, ‘dá um perdido’; não pede ‘por favor’, fala ‘na moral’; não usa ‘tênis’, vai de ‘havaianas’ mesmo!; não fala ‘tá certo’, fala ‘tá tranquilo’; não fala ‘deixa comigo’, fala ‘é nóis, tamo junto, tudo nosso’; não diz: ‘o que aconteceu’? diz: ‘qual foi?’
|
Esse é, atualmente, o maior ícone de um carioca da gema |
O carioca quando chega em qualquer lugar, todos já sabem que ele ou ela é carioca, só pelo jeito de andar, já cantado em prosa e verso. Mas eu... Eu, definitivamente, não sou aquela carioca “da gema”, mesmo tendo nascido no Rio de Janeiro quando ele ainda era o Estado da Guanabara.
Em outras palavras, Eliane: você é uma carioca civilizada, rsrsrs.
ResponderExcluirEu também tenho um espírito enraizado dentro de mim: Sou paulista de coração. Mineiro de nascimento e cidadão paranaense/tocantinense.
Não sei se você chegou a ler esse post do meu blog: "Alguma coisa acontece no meu coração". Dá uma passadinha por lá!
Um ótimo domingo!
Adriano