sexta-feira, 15 de julho de 2011

Os fatos além das ideologias políticas

Quem pensa que preocupação com favelas e suas remoções traz no rótulo o nome de Carlos Lacerda estampado, está enganado. Nos anos 40, a administração pública do Rio de Janeiro já se preocupava com a ocupação irregular da então Capital Federal.

Nada melhor que um exemplo. Hoje, no terreno onde se encontra o 23º BPM, no Leblon, havia a favela do Largo da Memória, cuja remoção se deu bem antes da gestão de Lacerda no Estado da Guanabara. A remoção desta favela e mais algumas pequeninas no entorno, deu origem ao Parque Proletário da Gávea, em 1942, numa zona industrial decadente, cortada pelo rio Rainha que desce do topo da Gávea rumo ao canal da Marquês de São Vicente.


A Unidade Proletária da Gávea hoje, com a Lagoa-Barra pasando por debaixo do prédio.

Os parques proletários foram a primeira política habitacional do governo para a população de baixa renda. Mas, na verdade, foi mais do que apenas uma política habitacional, foi uma política de controle de uma parcela da população que estava muito solta e precisava ser neutralizada. A visão “cor-de-rosa” que alguns moradores antigos têm dos parques é totalmente explicável porque a maioria tinha acesso a serviços que hoje ainda não existem em seus bairros. Em compensação, naquela época não havia o clima de liberdade e reivindicação de hoje. Por isso era mais fácil aceitar o clima de controle que existia, afirma o sociólogo Marcelo Bauman Burgos, autor do artigo ‘Dos Parques Proletários ao Favela-Bairro’, publicado no livro “Um século de favela”. Ainda segundo o sociólogo, “essa idéia casava muito bem com a proposta do Getúlio Vargas, presidente da República de 1930/45 e 1951/54 de moldar a população com o ‘ethos’ do trabalho”. 


O arquiteto Reidy e sua companheira vendo o projeto ser construído.

Casa de dois quartos com vista para o verde, vizinhança silenciosa, localização privilegiada e acesso garantido à escola, creche e cursos profissionalizantes. A oferta parecia irrecusável. E realmente era. A família da aposentada Elenice da Silva Cavalcanti, de 65 anos, não pensou duas vezes na hora de aceitar a proposta de trocar a antiga comunidade do Largo da Memória, no Leblon, pelo Parque Proletário da Gávea, também na abastada Zona Sul carioca, construído em 1942 em plena Rua Marquês de São Vicente, na época cercada por chácaras. Uma década depois, esse parque que era formado por barracões, em 1952, já estava totalmente deteriorado e em péssimas condições sanitárias.


Flagrante da precariedade dos Parques Proletários; dez anos de inércia do poder público.
O Conjunto Residencial Prefeito Mendes de Moraes, conhecido como “Conjunto do Pedregulho”, foi projetado pelo arquiteto Affonso Eduardo Reidy a partir de 1947, para abrigar funcionários públicos do então Distrito Federal. Localizado no bairro de São Cristóvão, o Conjunto do Pedregulho compõe a face social da arquitetura de Reidy, ao lado da Unidade Residencial da Gávea (1952).

Unidade Residencial da Gávea já em fase final de construção.
Reidy criou um prédio em forma de “serpente”, tanto para o Conjunto do Pedregulho quanto para Unidade Residencial da Gávea. Além do prédio em si, havia outras edificações, como era bem de seu estilo, como posto de saúde, escola etc.
Vemos aqui a maquete do projeto completo e nunca totalmente executado, a Auto Estrada Lagoa Barra, já planejada naquela época passaria abaixo do nível do urbanismo do conjunto, não interferindo na circulação dos pedestres, e eliminando grande parte do ruído do tráfego.


Maquete da Unidade Proletária da Gávea

Bem daqui para frente, os relatos continuam, com a história sendo contada sob um viés político, ao gosto e à conveniência de cada um que conta. Na minha opinião, esses relatos ideológicos só acabam por distorcer os fatos.

Conjunto do Pedregulho em construção em São Cristóvão
O que eu não vi em nenhum momento foram comentários sobre o que foi feito do Conjunto do Pedregulho, por debaixo do qual não passa nenhuma super avenida, nada fora da normalidade de um bairro decadente como todos os do subúrbio carioca.


Atual estado de conservação do Conjunto do Pedregulho.


Atual estado de conservação da fachada do Conjunto do Pedregulho.
Lamentável mesmo é ver que nenhum homem público se preocupa com a infraestrutura da cidade que administra. Ocupação ordenada dos espaços e territorialização da cidade a fim de não deixá-la se transformar em megalópole inadministrável, transportes públicos eficientes e não poluentes, água e saneamento básico, energia etc etc etc, enfim, gestão urbana verdadeira. Creiam que isso existe e não precisamos estar na “era de aquarius” para termos acesso a tudo isso. Tudo isso já existe há séculos, no mínimo três.

Fonte: Andre Decourt, Fotolog ‘Foi um Rio que Passou’, 2004


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