quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Devolvam-me a Belle Époque de Renoir


RENOIR, Pierre Auguste | Le Déjeuner des Canotiers | 1881 | Óleo sobre tela | 172,7 x 129,5 cm | The Phillips Collecion, Washington, USA
Na década de 1860, com as reformas do Barão Haussmann, os parisienses ganharam novas opções de lazer acessíveis para os fins de semana. As novas linhas férreas francesas transformaram muitas áreas rurais ao longo do rio Sena em locais perfeitos para escapadas da cidade. Essas áreas eram uma exclusividade das classes abastadas e passaram a ser freqüentadas pela diversidade da população parisiense à época, que fervilhava com o início da Belle Époque. Como já falei num post do ano passado sobre a Belle Époque, os impressionistas surgiram aproximadamente com ela.

Hoje quero mostrar a vocês a obra-prima de um dos impressionistas que mais me impressiona, Pierre Auguste Renoir. O quadro: Le Déjeuner des Canotiers (O Almoço dos Barqueiros). Renoir o pintou na pequenina cidade de Chatou. Esta obra de Renoir retrata um grupo de amigos seus na varanda de um albergue às margens do Sena, chamado Maison Fournaise. Renoir visitava com frequência este recanto disputado pelos parisienses e, às vezes, oferecia pinturas à família Fournaise, em troca de alimentação e estadia.

Le Déjeuner des Canotiers não apenas descreve o ambiente caloroso da Maison Fournaise, mas mostra as características da estrutura social francesa da segunda metade do século XIX. Os restaurantes acolhiam clientes de diversas classes sociais, desde empresários burgueses, mulheres da sociedade, artistas como Renoir e Caillebotte, atrizes, escritores como Guy de Maupassant, críticos e, como resultado da revolução industrial, que reduziu a jornada de trabalho semanal, até costureiras e vendedoras.

Esse grupo diversificado traduzia a liberdade, igualdade e fraternidade, vindas desde a Revolução Francesa até àqueles tempos. Nesta obra, Renoir pintou retratos “idealizados e joviais” de seus amigos e colegas com quem frequentava a Maison Fournaise. Então, vamos brincar de “Onde está Wally?”

O famoso quadro 'Le Dejeuner des Canotiers' pintado entre 1870 e 1871

Acompanhem na foto do quadro. No primeiro plano, à esquerda, brincando com seu cachorro, Aline Charigot, uma jovem costureira que Renoir havia recentemente conhecido e com quem se casou pouco tempo depois. Atrás dela, apoiados na balaustrada, Alphonse e Alphonsine Fournaise, filhos do proprietário do albergue, ambos usando típicos chapéus de barqueiros, os “canotiers” que eu acho elegantíssimos nas poucas mulheres que sabem usá-los. Eles ouvem o Barão Raoul Barbier, sentado de costas, ex-oficial da cavalaria. Este bon vivant tinha a reputação de ser amante de barcos, cavalos e jovens moças. No primeiro plano, à direita, sentado com a cadeira virada, Gustave Caillebotte, pintor, velejador, arquiteto naval e milionário, foi o primeiro mecenas dos impressionistas. Ele observa Aline e escuta discretamente a atriz Hélène Andrée, enquanto o jornalista italiano Maggiolo, diretor do jornal “Le Triboulet” se reclina sobre ela. Atrás deles, em pé, o artista Paul Lhote, com seu pince-nez (sim, ele está usando um pince-nez) e o burocrata Eugène Pierre Lestringuez, flertando com a atriz de teatro francesa, Jeanne Samary. Ao fundo, de costas e de cartola, o editor do jornal “Gazette des Beaux-Arts”, Charles Ephrussi, conversa com um jovem usando um casaco marrom, o poeta e crítico Jules Laforgue. Ao centro, ao lado de um anônimo de quem só vemos sutilmente o perfil, a modelo Hélène Andrée bebendo de um copo. Em 2001, o cineasta Jean-Pierre Jeunet a transformou na heroína de seu cultuado filme “Le fabuleux destin d'Amélie Poulain”.


Será que assim ajuda a encontrar os personagens?

1. Aline Charigot
2. Alphonse Fournaise
3. Alphonsine Fournaise
4. Barão Raoul Barbier
5. Jules Laforgue
6. Hélène Andrée
7. Angèle
8. Charles Ephrussi
9. Gustave Caillebotte
10. Maggiolo
11. Eugène Pierre Lestringuez
12. Paul Lhote
13. Jeanne Samary




O tempo que Renoir teve com Monet em La Grenouillère (balneário próximo Bougival, bem popular e meio “pé-sujo”, segundo os guias da época) foi decisivo em sua carreira. Foi quando ele pintou verdadeiramente ao ar livre, o que mudou sua paleta, e fragmentou seu toque (Monet foi muito mais longe neste domínio). Rendeu-se aos efeitos da luz, e a não necessariamente usar o preto para as sombras. Foi a partir daí que surgiu o Renoir realmente impressionista. Ele expôs com o dito grupo de 1874-1878 e produziu, então, o quadro considerado o "carro-chefe” sua obra. Un bal au moulin de la Galette, em Montmartre, em 1877. O quadro foi comprado por Gustave Caillebotte, membro e patrono do grupo. Eu me pergunto: “será que se Caillebotte não tivesse comprado ‘Un bal au moulin de la Galette’, Renoir poderia nos presentear com a visão primorosa do ‘Le Déjeuner des Canotiers’?” Bem, mas essas são apenas as asas dos meus pensamentos.

Finalmente, o jovem desconhecido do quadro pode se tratar do próprio Renoir. Acredita-se que ele acabou se inserindo propositalmente na pintura, para evitar uma composição de treze personagens, pois lembraria “A Santa Ceia” de Leonardo da Vinci. Bem... Não sou a única que dá asas aos pensamentos e à imaginação.

Renoir criou com maestria a atmosfera de encantamento de Le Déjeuner des Canotiers, capturando o imediatismo de um momento de lazer à margem do Sena no século XIX. Renoir conseguia capturar o mais trivial momento e retratar seus protagonistas com uma delicada intimidade que nunca cessa de aprisionar o olhar. Sua pintura é atemporal. Ele era fascinado pelas reuniões e festas, sempre que houvesse a celebração humana. O que me encanta definitivamente nas obras do Renoir impressionista é o modo como ele “brinca” com a luz e a sombra. Sua luz não é branca, e suas sombras não são pretas, mas são a sua “brincadeira” com os tons fortes (nas sombras) e os diversos tons mais claros (na luz) da cor azul. Talvez este seja o principal motivo de eu adorar a pintura de Renoir; o azul-marinho me fascina.

O quadro faz parte, desde 1923, da coleção de Duncan Phillips, que declarou no momento da aquisição possuir uma das maiores obras de todo o mundo. “A fama de ‘Le Déjeuner des Canotiers’ é tremenda e as pessoas viajarão milhares de quilômetros até nossa casa para vê-lo. A obra de Renoir extravasa um bom humor contagiante e essa pintura causa sensações aonde quer que vá”.

Este post será muito mais interessante se vocês assistirem ao filme produzido pela France 2 para TV, "Le Vernis Craque". É sensacional.


4 comentários:

  1. Um excelente passeio pela quadro de Renoir. Este e Le bal du Moulin Rouge são meus preferidos. Excelente texto.

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  2. Olá, Álvaro. Bom dia. Obrigada por sua visita ao "De Tudo Um Pouco".

    Só fui descobrir que Le Déjeuner des Canotiers não estava no Musée d'Orsay quando estive lá em maio/2010. Até então, eu jurava que não poderia haver outro lugar para este quadro. Fiquei meio decepcionada... rsrsrs

    Entretanto, tenho uma "quedinha", digamos assim, por um outro quadro do Renoir, não tão famoso, mas absolutamente lindo (este no Orsay). É 'Danse à la Ville', de 1883. Ele tem 1.80m de altura, ou seja, Renoir pintou o casal dançando em tamanho natural! O casal é Eugène Pierre Lestringuez (o mesmo deste post) e Suzanne Valadon. E o que me fascina neste quadro é a gama de cores frias que ele usou para pintar as várias dobras do vestido de Suzanne. Visto de perto, ao vivo, garanto que é impressionante.

    Abraços,
    Eliane Bonotto

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